2011/11/15

Amanuenses

O rapaz das arcadas virou a cabeça para tentar identificar o livro que eu levava debaixo do braço. No edifício onde ambos trabalhamos há muitos leitores: leitores de jornais de distribuição gratuita, de jornais desportivos, leitores de revistas cor-de-rosa, leitores de biografias de rainhas, leitores de livros de auto-ajuda, leitores de romances escritos por apresentadores de televisão. Há certamente, no edifício onde trabalho, muitos outros leitores, gente que gosta de ler, que encontra na literatura uma companhia silenciosa e que define alguns critérios de exigência literária para escolher um livro. Porém, só eu e o rapaz das arcadas gostamos de mostrar os livros que lemos. Mostramo-los um ao outro, num jogo diário, absurdo e inconsequente, mas, sobretudo, mostramo-los aos outros funcionários do edifício, aos colegas de serviço, aos seguranças do átrio central, aos estagiários que fazem fila junto dos torniquetes da entrada. Queremos com esse gesto mostrar a inquietude que trazemos colada à pele, dizer-lhes que aquele não é o nosso mundo, que estamos ali por necessidade, é o destino truculento e zombeteiro que nos obriga ao cansaço do trabalho e ao aborrecimento da vida amanuense. É uma atitude tão parva que até enjoa.