2015/08/04

Lâmpada

Esta noite, nunca tinha acontecido, acordei para escrever uma frase. Não propriamente uma frase, mas a sua estrutura, a sua forma. Uma frase composta, interminável, com sentido, sem sentido, morfologicamente pobre, despida do seu corpo, adjectivos, substantivos, mas com as vírgulas exactas, as pausas exactas, a cadência certa. Uma frase para ser lida em voz alta. De manhã, quando acordei (de um pulo porque, por causa do vinho e dos comprimidos, não escutei o despertador), fui lê-la. Pareceu-me ultrapassada, antiquada, aborrecida, sobretudo pretensiosa. Já não se escreve assim. Hoje em dia, a forma pouco interessa. Diz-se muito, mas tão pobremente, tão desconsoladamente, faz-se uma literatura que não cuida da elegância e da beleza. Por exemplo, há palavras que, de tão feias, nunca utilizarei. Javardo. Esgalhado. Reverberação. Prefiro ter pouco ou nada a dizer, mas fazê-lo de forma a embalar quem me lê. A música de um texto é importante. A frase que escrevi era sobre um nariz. Encontrei também, junto do caderno, a lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira. Não me lembro de a ter tirado.