2015/11/13

Mar

Não pego num livro há mais de três semanas. Não sou capaz. Ler faz-me sentir e faz-me pensar. Não quero sentir e não quero pensar. Quero ser apenas engraçadinha. Desejo, sem condescendência ou paternalismos, ser a rapariga que ontem seguia na carruagem quase vazia do comboio. Tinha formas voluptuosas, unhas em garra e um lindo cabelo escuro. Saiu na estação de Entrecampos. Não tenho fé, nem sei rezar, mas acredito na salvação. Uma evidência: o facto de desprezar os crentes que conheço não tem de me afastar de Deus. De manhã, a caminho da escola, o Joaquim disse:
 
- As rotundas das cidades, de todas as cidades do mundo, são lugares tristes.
 
Acho que o meu filho tem razão. As rotundas das cidades, de todas as cidades do mundo, são lugares tristes. Nanni Moretti olhou-me de frente enquanto ajeitava o laço. Beijei-o na boca, depois no feio nariz, por fim nos olhos cansados. Sou uma casa habitada. Não conheço a geometria da solidão. No domingo, quando o Reinaldo vier buscar os miúdos, meto-me no carro e vou ver o mar. Quero muito ver o mar: chegar à beirinha da água, arregaçar as calças, largar meias e sapatos, molhar os pés.