2016/05/13

Sexta-feira

Os mais novos estão com o pai. Não sei por onde anda o mais velho. Arrumei a casa ao som das Variações Goldberg. Desde que a Graça deixou de vir (não tenho como pagar-lhe o ordenado), a casa enche-se lixo. Vejo sujidade em toda a parte, manchas nos tapetes, bolas de cotão nos cantos, sarro nas loiças sanitárias, gordura nas juntas, pó nos livros, nódoas nas colchas, e assusto-me. A sujidade é um sinal do meu desnorte. Detesto sujidade. Consegui limpar os quartos, as casas de banho e a cozinha a tempo de, durante a vigésima segunda variação, a minha preferida, parar para fumar um cigarro. Escrevi um pequeno texto baseado na Fidélia do Machado de Assis e saí para comprar o jantar: um pacote de batatas fritas, duas carcaças e uma garrafa pequena de vinho branco. Voltei a casa. Troquei as Variações Goldberg por Stabat Mater de Pergolesi. Abri uma carcaça, que recheei de batatas fritas, e enchi um copo de vinho morno. Senti-me imediatamente cheia de paz. Talvez Deus me habite. O gato veio roçar-se nas minhas pernas. Peguei-o ao colo e sussurrei “amorzinho querido”, exactamente como fazia aos meus filhos quando eram pequenos.