2016/12/08

Carica

Aos dez anos, fui com os meus pais a Marrocos. Comi bolos areados na melhor pastelaria de Rabat. Coloquei as mãos em concha por baixo da cabeça decepada. Em praias desertas, apanhei búzios e conchas vermelhas. Mergulhei no mar e o meu cabelo ficou emaranhado com pequenas algas verdes. Dormi numa tenda de campismo. O colchão cheirava ao plástico da boneca recebida no Natal. Senti um perverso deleite ao ver a pele da tia Dé queimada pelo sol. Invejei o casal francês que viajava numa pequena auto-caravana. Observei o pai francês brincar com os filhos. Voltei a sentir inveja. A caminho de Marraquexe, no Toyota vermelho, comi pão com doce de tomate e fatias de melancia. O sumo da melancia escorreu pelo meu pescoço. Fiquei com as mãos pegajosas do doce de tomate. Ajudei a minha mãe a escolher pratos de bronze, potes de barro pintado à mão e banquetas de couro. Bebi chá de hortelã, servido num bule de prata. Vi um negro com um grande angioma abraçado uma mulher muito bela. Não vi o deserto. Também não vi camelos. Mas, num restaurante de estrada, bebi pela primeira vez na vida Coca-Cola. Guardei a carica por causa das estranhas letras árabes. Ainda a tenho.