2008/01/24

Bosque

Há um bosque abandonado no meio da cidade. Os campos de basquete não têm tabelas há muito tempo. Já não existe circuito de manutenção. No parque infantil resta uma estrutura de ferro que o tempo ainda não conseguiu destruir. O relvado não é cortado há muitos anos. Está cheio de trevos, ortigas, ervas daninhas. O bosque é feito de verdes molhados e de sombras. É assustador quando o sol decai e as árvores esguias se agigantam, tomando novas formas e cores. Contam histórias de roubos e violações. Pouca gente se vê por ali. Um ou outro velho sozinho. Um homem a passear um cão. Outro sentado no banco. Há um velho que encontro sempre no bosque. Negro, de carapinha branca, magro. A primeira vez que o vi usava um saco de plástico enterrado na cabeça para o proteger da chuva miudinha. Levantava os braços ao céu como se rezasse. Da sua boca fugia um cantar baixinho e arrastado. Uma ladainha incompreensível. Tem no corpo a dormência, a lassidão, o langor próprio dos ébrios. Ontem estranhei-lhe a ausência. Quando já estava preparada para me ir embora, vi-o chegar. Ao contrário do que é habitual, trazia o passo firme e um saco de plástico nas mãos. Sentou-se num banco. Retirou do saco uma garrafa de sumo, uma caixa com sopa, uma carcaça, uma colher e começou a comer. Por causa dele continuei a correr. Olhei-o cada vez que me cruzei com ele. Sem pudor. Vê-lo sentado, sozinho e tão sóbrio, deu-me vontade de chorar.