A camioneta chegou a Pangim depois da hora da sesta, no preciso instante em que, aos meus olhos, o sol começava a decair e a cidade se preparava para a frescura do entardecer. O início da noite traz às cidades do oriente uma aceleração de corpos e movimentos, luzes explodem por todos os cantos como fogos de artifício, misturam-se as conversas das pessoas com as conversas da gralhas que descansam nas copas das árvores enquanto debicam frutos maduros que pingam mel para os passeios. O início da noite não marca o fim do dia. Na Índia sempre tive a sensação de que o dia continua noite fora. Só termina quando fechamos os olhos. Procurei, no meio da multidão do terminal, Rafael, o amigo do meu pai, a convite de quem viera a Pangim. Não me deixou sozinha por muito tempo. Conheci Rafael o ano passado, no crepúsculo nacarado de Curtorim. É um goês alto. Tem a robustez de um herói grego. Usa o cabelo branco puxado para trás e óculos de aros pretos a marcar-lhe pesadamente o rosto. É um gigante delicado. É assim que o vejo. Corremos ao bairro das Fontainhas onde estava hospedado em casa de um amigo. “Venha, venha. O meu amigo vive rodeado de coisas preciosas.”, disse ao chegarmos a uma casa antiga cor de vinho. Perante o meu olhar inquisidor esclareceu: “Antiguidades!” Percival Noronha, o dono da casa, é mais velho do que Rafael, rondará os oitenta anos. Traz o corpo frágil. Há-de ter os ossos porosos e rendilhados.