2008/01/24

Goa

Passei a noite de terça-feira a sonhar com o Paulo Varela Gomes e com apas de camarão. Pela manhã, a primeira coisa que fiz foi abrir o Público e procurar-lhe a crónica. Hoje escreve sobre Goa. Fala dos católicos de Goa, afastando as ideias românticas e paternalistas de certa estirpe intelectual portuguesa. Concordo com o que diz. A sociedade católica de Goa não é coisa de alguns velhotes renitentes. Pulsa de vitalidade. Não se esconde nas igrejas, não se resume à missa de domingo, não vive só nos escapulários assustadores da cidade antiga. O catolicismo está em todo o lado, na vida quotidiana das pessoas. Explode nos plissados das mulheres que assistem à missa do galo, nos fios e nos anéis de ouro que se mostram como troféus, nos sinos que tocam, pela madrugada, a chamar para a primeira missa, nos cruzeiros e capelas que nascem como cogumelos pelas estradas e veredas. Em Goa é normal encontram padres jovens, de batina, nas escolas e nas igrejas. São gente como nós. O catolicismo confere sobretudo aos goeses um sentimento de pertença, que, sendo um sentimento essencial, também assusta. Ria, a menina balão, e Lhea, um dia no balcão explicaram-me que, na escola, só brincam com as meninas católicas (hindus are very dirty! disseram, fazendo caretas). E quando lhes perguntei se casariam com um hindu não me responderam. Limitaram-se a olhar-me como se eu fosse doida. Uma menina hindu olhar-me-ia de igual modo se lhe perguntasse se alguma vez casaria com um católico. O catolicismo não morrerá, pois, em Goa. Está para ficar. Quanto à sociedade católica, que extravasa a fé, que se faz de outras coisas, de outros legados, não sei. Desconfio que daqui a alguns anos a fé católica será a única herança que restará da Índia portuguesa. O resto, a língua e a cultura, a delicadeza dos gestos, o afecto comovente por um Portugal que há muito não existe, desaparecerá à medida que forem morrendo os tais velhinhos renitentes.