2009/02/05

Rãs e Sapos

Os dias estão cheios de acontecimentos importantes, daqueles que foram feitos para nos inquietar. São acontecimentos vaidosos que, à força, querem ser protagonistas únicos das notícias nas televisões, rádios, jornais e das conversas de café. Tenho os acontecimentos desta estirpe por aborrecidos. Toda a gente fala deles, dá a sua opinião, vaticina sentenças. Uma maçada. Repetem-se teorias, congeminam-se explicações, procuram-se análises lúcidas e certeiras. Há, por outro lado, acontecimentos, factos pequeninos, insignificantes que dão conta de mim, entranham-se cá dentro e fazem-me querer escrever sobre eles. Ultimamente não me saí da cabeça a fontanela do meu filho mais novo. Um dia, pela manhã, quando o fui espreitar ao berço, reparei que a fontanela pulsava. Parecia que era ali, e não mais abaixo, que o seu coração se encontrava couraçado. Afligi-me. Imaginei uma rã miniatura saltitando, histérica, no crânio do meu benzinho, alimentando-se dos seus sonhos, atrapalhando-lhe as ligações neurológicas, destruindo a estatística das sinapses. Desde então procuro o bicho que vive dentro do meu filho. Não mais apareceu. Há-de estar aninhada num canto qualquer, tremelicando as patinhas. Também o desajuste que existe entre o rosto e a voz do Carlos Vaz Marques me tem apoquentado. Durante anos, conheci apenas a voz do Carlos Vaz Marques. Vinha pelo crepúsculo, na rádio, e trazia o mundo consigo. Escutava-o e imaginava-lhe a fisionomia. Um homem jovem, pensava eu, magro, seco, esguio, com um rosto miudinho de garoto irrequieto. Até que, há pouco tempo, coisa de um mês, descobri o rosto daquela voz. Tive um baque. Um desapontamento profundo. Pareceu-me, e não quero ser injusta, um sapo. Esfreguei os olhos. O espanto foi tamanho que não mais me largou. Até imaginei uma história, com um final trágico, sobre o assunto. Esta coisa de só conhecermos uma parte de alguém tem muito que se lhe diga.