2009/05/28

Natália

Encontrei a minha empregada, logo pela manhã, muito chorosa e ranhosa. Enfiada atrás da tábua da roupa, manejando com pouca destreza o ferro de engomar, lá me confessou que o marido, depois de trinta e cinco anos de casamento, se queria divorciar. "Até já me pediu o bilhete de identidade!", disse, passando com fúria a única camisa branca que me sobra. "Deve estar caidinho por alguma russa ou brasileira”. Silêncio breve. “ São todas umas putas!". Eu, tirando as remelas dos olhos, com pouca paciência para a justificadíssima xenofobia matinal da D. Anabela, cumpri o meu triste papel de patroa licenciada em direito e esforcei-me por lhe explicar as diferenças entre os divórcios litigiosos e os outros, as consequências no que respeita a bens e pessoas, os trâmites e procedimentos que hão-de ocorrer. Ela agradeceu a minha disponibilidade para a ajudar e continuou a passar, com fúria, as t-shirts do João. Invejei-a de um modo estulto mas sincero. Por breves instantes, desejei que uma ucraniana leitosa, de olhos verdes, bem formada, boa pessoa, carinhosa, amiga das crianças, inteligente e tudo o mais, aparecesse no caminho do meu marido.
(Já expliquei em tempo: nem tudo o que aqui se escreve é verdade. Por exemplo: nunca uso camisas brancas.)