Era uma vez uma mulher que
tinha as narinas muito grandes. Não eram as narinas apenas abertas e suínas,
não, nada disso, eram narinas verdadeiramente grandes, autênticas divisões
espaçosas, amplas, onde se escutava o eco e o silêncio que vem de seguida. Por
as ter assim, tão grandes, a mulher servia-se delas como espaço de arrumos, guardando a tralha que já não queria em casa,
manuais escolares antigos dos filhos, brinquedos velhos, roupa fora de moda,
sapatos cambados.
Um dia, andava a passear
numa ribeira, as margens cheias de aloendros, um cheirinho tão doce e enjoativo
no ar, encontrou um seixo pequeno, do tamanho de uma amêijoa, rolado, liso,
irisado, muito bonito. Quis guardá-lo. Enfiou-o dentro da narina direita. Andou
com a pedrinha no nariz durante muito tempo. Não lhe causava incómodo. A mulher,
porém, não se dera conta do brinde que a pedrinha levava; dois ovinhos
minúsculos, amarelo esmaecido, que, com a humidade da cavidade nasal, não
tardaram a eclodir. A mulher passou a sentir um saracotear dentro da narigona,
muitas cócegas, como se uma lagarta de pezinhos de lã por ali andasse. Certa manhã, ao
acordar, ouviu um coaxo, a seguir outro, depois mais outro. Que era aquilo? Que
som estranho saía do seu corpo? Tentou espirrar a ver se se livrava do
incómodo, mas nada. Foi às urgências em busca de alívio. O médico, um ucraniano
de lábios muito finos e cabeleira despenteada, espreitou com uma lanterna
fininha. A senhora tem duas rãs na narina direita, estão lá muito ao fundo, escondidinhas
atrás de uma caixa cheia de livros e da bomba de hélio para encher balões,
mesmo lá atrás, onde é mais húmido e escuro, quase não as vejo, vai ser o cabo
dos trabalhos para as tirar de lá. Eu não consigo, explicou, por fim, amaciando
a cabeleira farta e demoníaca, talvez seja melhor consultar um herpetólogo. Não
foi fácil à mulher das narinas grandes encontrar um herpetólogo em Lisboa, os
poucos que havia andavam por longe, nas selvas cor de laranja da Malásia, de
galochas enfiadas, enterrados em pântanos e mangues, à cata de rãs, sapos,
salamandras, lagartos e cobras. A mulher soube porém que, em Algés, ali junto
do Aquário, vivia um velho estudioso que transformara o apartamento num imenso anfibiário-reptilário.
Procurou-o. O velho era um ser estranho, muito esguio e escorregadio, parecia
movimentar-se como uma sanfona. À conta de tantos anos vivendo no meio de
cascavéis, serpentes e dragões de komodo, o seu corpo adquirira a primitiva
aparência dos répteis: os braços cobertos por escamas granulares, locomoção
ondulatória, uma língua fissurada apta a detectar vítimas e predadores. O velho
enfiou um capacete de mineiro com uma luz azul, fez pontaria e espreitou para
dentro da narina direita da mulher.