Sempre que vou ao Porto almoço com
o Rui Carlos que tem os dentes muito amarelos, usa boina e parece tão velho quanto
é. Hoje, enquanto almoçávamos na Chicana, estraçalhava eu uma pescada frita, ao
espiar a vigília de ontem, perguntei-lhe o que achava da privatização da RTP. Palitou
os dentes, aborrecido com a pergunta. Ó doutora, ó minha rica doutorinha, foi
dizendo com uma soberba que me irritou, querem instruir o povo, quando o que
povo quer ver é nádegas cheias e a desgraça dos outros para se sentir menos miserável.
Há que respeitar o povo e para o respeitar não é preciso pagar uma televisão pública. É
um engano pensar que os pobres e os remediados têm uma vocação latente para a erudição. E
continuou a palitar os dentes. És um bruto e já não tens idade para usar a fralda da camisa por fora, respondi-lhe, mas não
fui eu que falei. Foi a Nel. Não sou nada e toca a despachar a marmota, já
não temos muito tempo para ir ver o casario da Cedofeita. Lá fora, no silêncio da Avenida Rodrigues de Freitas, uma grávida desdentada pôs-se a gritar com duas crianças ramelosas.