Sento-me
no adro da igreja, que fica junto a uma lagoa cheia de nenúfares brancos.
Entardece. Na escadaria, três homens falam um português correcto e antigo, um
português sossegado, que não tem pressa de chegar a parte alguma, um português
doce e calmo. É a primeira vez que aqui, em Goa, escuto português falado
espontaneamente. Entardace. Lá dentro, o meu pai fala com o padre vigário, que
usou uma batina branca e umas sandálias nos pés durante a missa. Os três homens
continuam a conversar. Escuto-lhes as palavras. Percebo que falam sobre mim. Um
deles aproxima-se e, em inglês, com uma delicadeza a que não estou habituada,
pergunta-me se não sou familiar de um tal Alvito de Souza. Respondo-lhe em
português que não, que não conheço nenhum Alvito de Souza, que sou neta da
família Rebelo de Maina, a aldeia mesmo ali ao lado. O homem sorri e leva-me
para junto dos outros homens. Explicam-me que conhecem bem a minha família.
Apresentam-se: Rafael Viegas, Dr. Cunha Menezes e José Mascarenhas. Entardece.
A conversa escorre entre nós como se nos fossemos velhos conhecidos. Os goeses
têm uma identidade própria, são a simbiose perfeita entre o oriente e o
ocidente. Mas têm a fragilidade das porcelanas antigas que guardam dentro dos
louceiros de outros tempos. São como a fímbria do mar. Entardece. Lá dentro o
meu pai continua a sua conversa com o padre vigário. Não fala em português, mas
em concanim, língua labiríntica, e inglês, esse linguajar bárbaro e deslavado
que tomou conta destas paragens.
(Janeiro/2007)