A
tia Maria gostava tanto, tanto do Salazar que lhe chamavam " A favorita de
Salazar"; o meu pai foi deserdado por ter feito um filho a uma preta; o
meu tio Rosário gastava o dinheiro da família porque um Cristo falante lho
dizia para o fazer; o tio Inácio, o irmão mais novo da família esteve quase a
ser castrado, como era costume nas famílias bramanes, para assegurar a sua ida
para o seminário;em Rachol, os anjos do altar têm cabelos negros e há um poço,
fundo e imenso, habitado por morcegos; a terra é vermelha como o sangue; em
Chandor, a sua dama, D. Aida Menezes de Bragança, vive num palácio habitado
pelos fantasmas de outros tempos e, pelas janelas de carepa, espreita o adro da
igreja; em cada casa há um oratório, um presépio e uma estrela iluminada; os
arrozais são de um verde intenso e os palmares estendem-se, infindáveis, junto
às praias; a tia Amália ensinou-me a usar o sari e nunca me senti tão bonita na
vida; em Goa estou em casa.
(Janeiro/2007)