2013/09/20

Endofalk

A preparação para o exame durou dois dias. Andei a dieta de caldos, carnes magras e pão branco, fiambre de peru, peixes magros, carapau, faneca e robalo. Nada de legumes, nada de fruta, quatro saquetas de endofalk diluídas em muita água, três litros para beber, de quinze em quinze minutos, na véspera. O médico explicou-me com familiaridade: Ana Clara, se fores muito presa dos intestinos, podes juntar ao endofalk uma colher de dulcolax. Ele a falar, eu a pensar no canto da sibila, em sefarditas e aristos. À cautela, não fosse dar-se o caso de não levar a tripa bem limpa e ter de repetir o exame, segui o conselho: juntei duas colheres de laxante e espremi meio limão para evitar a agonia de tanta doçura. Enchi um copo de vidro biselado muito bonito que roubei este verão da casa abandonada. Levei-o à boca,  bebi de trago como faço nas noites em que procuro o sossego de uma embriaguez rápida. Comecei a preparar o jantar e aumentei o volume do rádio. Abraçado às minhas pernas, o Joaquim fala de ninhos, ouriços e castanhas, o mais velho, acelerado no quarto, está nas habituais atrapalhações da adolescência. Tenho um potro e um alazão. A doce menina contempla em silêncio a travessa do peixe. Sorrio e esqueço-os. Enquanto espero que a água levante fervura para deitar o arroz, penso no homem de mãos escuras que não me toca, não me quer. Na sua indiferença e distância reside a justificação do meu amor. Felizmente o endofalk não tarda a fazer efeito e liberta-me da melancolia. Empalideço e corro à casa de banho.