Fiz a aprendizagem da minha condição e, com passividade
absoluta, acatei leis antigas. Aprendi o meu papel no casamento e na cama. Fui uma
deusa morta, não uma mulher viva. Distribuí sorrisos, fiz sopas, massas
guisadas, bolos de erva-doce, lavei copos e pratos, estendi cuecas, meias,
lençóis; à noite, abri as pernas, arfei de cansaço e aborrecimento, recebi o
esperma conjugal, virei-me para o lado e adormeci. Mas a máscara ainda não
estava enterrada na carne do meu rosto. Numa noite de Verão, raspei os nós dos
dedos na parede até os ver sangrar, mordi os braços, cuspi no espelho,
arranquei a roupa do corpo e, assim nua, fugi. Uma desconhecida encontrou-me no
largo da aldeia, encolhida junto de um canteiro de goivos. Levou-me para casa, lavou-me
as feridas. Depois, sem nada perguntar, explicou-me o óbvio: não há maior
tragédia na vida de uma mulher do que a renúncia; antes o desespero e a
loucura.