2015/12/30

Saudade

Ontem, antes de adormecer, enfiada na cama com o gato, li um conto da Sylvia Plath de que gostei bastante. No conto – “Caixinha dos desejos” –, Agnes vive angustiada por, ao contrário do seu marido, não ser capaz de reter os sonhos. Esquece-os, apenas lhe ficam sensações vagas, imagens desfocadas, borrões surrealistas. Não sei se foi do conto que li, mas esta noite sonhei muito. Tudo no sonho me pareceu belo, intenso, mas compreensível. Escrevo agora, ao final do dia e, mesmo assim, as imagens continuam a aparecer nítidas: uma loja de bules e cafeteiras de loiça (o Tea Corner em Margão), um rio de caudal largo, águas claras, luminosas (o Zuari que passa depois da várzea), um caminho escuro que atravessa uma floresta de árvores de folhas largas (o caminho que o meu pai fazia com a tia Amália para a escola). No sonho, atravesso a floresta de bicicleta, mas tenho dificuldade em equilibrar-me porque numa das mãos levo um tacho de comida para a tia Rosu (a mais velha dos irmãos, passava os dias deitada num catre imundo, a fumar charutos, a casa esquecida, os filhos ramelosos, o marido bêbado). Sei que tudo no sonho da noite passada está relacionado com Goa. A verdade é que, nas últimas semanas, tenho pensado muito em Goa. Os meus olhos ficam húmidos, as minhas veias estrangulam, sinto um peso no peito. Definho e entristeço. Tivesse eu dinheiro e compraria um bilhete de avião, entregava os miúdos aos cuidados do Reinaldo e fugia para Maina. Sinto falta do meu pai, da sujidade, da confusão, da neblina das queimadas, das vacas do Marlindo, do quintal a perder de vista, da Ligorina varrendo o chão, dos padres de batina, das chamuças compradas ao final da tarde, dos prédios feios de Margão, das pernas das minhas tias balouçando no alpendre, de almoçar no Tatu, de falar com o Rafael, meu tão querido Rafael, de escutar a sua mulher, Marianinha, rezar com fervor. Não aguento passar outro ano sem voltar a Goa. Na noite passada, o meu subconsciente, talvez querendo atenuar essas saudades, dolorosas saudades, foi um bom amigo: levou-me de volta para a minha Índia.