2016/06/14

Ponta dos dedos

Não sou deus, mas para lá caminho. A escrita salvou-me. Já não apanho o comboio das oito para trabalhar num edifício de escritórios. Já não como frango assado aos domingos. Deixei de cheirar mal dos pés. Desaprendi o significado de palavras que escrevi durante muitos anos: litispendência, discricionariedade, réu, citação. A escrita melhorou a minha vida: curou-me do melasma, emagreci cinco quilos e aprendi a mastigar de boca fechada. Também deixei de coçar os pêlos púbicos para depois cheirar a ponta dos dedos. Tal gesto, parece-me, não fica bem a quem escreve. Uma vez por outra, de vez em quando, tenho vontade de ir passear ao outlet de Alcochete para ver as montras dos saldos, mas rapidamente esqueço esses devaneios e mergulho nos poemas do Dylan Thomas. Talvez um dia me atreva a escrever poesia.