Acordava durante a noite para comer, levantava-se da cama como um fantasma, atravessava o corredor, chegada à cozinha, metia à boca o sabor mais excessivo que encontrasse: oreos, picles de beterraba, azeitonas, às vezes, quando não era o excesso que procurava, abria a cartolina do cerelac e enfiava uma ou duas colheres de farinha na boca, ficava a pasta a amaciar durante algum tempo até se tornar num betume ligeiro que rapidamente engolia, voltava à cama e, assim, reconfortada, adormecia imediatamente. Sabia haver uma explicação de cariz sexual para os seus hábitos, mas não se dava ao trabalho de a procurar. Para além das insónias, tinha terrores nocturnos, pesadelos que vinham em catadupa, ficavam a noite toda, imagens muito nítidas que o dia nunca apagava, cores sombrias, verdes cinábrios e azuis cerúleos.