Sou Ana de cabo a tenente/ Sou Ana de toda patente, das Índias/ Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada/ Sou Ana, obrigada/ Até amanhã, sou Ana/ Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos/ Sou Ana de Amsterdam.
2011/05/30
Família
2011/05/26
Arma
Bifidus activo
2011/05/25
Dimokransa
1) Pedro Lomba; 2) Luís Osório; 3)Nuno Costa Santos; 4) Mayra Andrade; 5) Mónica Marques. De Lisboa a Vila Nova de Famalicão são muitas horas a conduzir. Entretenho-me a fazer listas. Listas pequeninas.
Sansão (2)
O cabeleireiro chega, por fim. Conheço-o. Não é a primeira vez que me corta o cabelo. Vejo-o muitas vezes, à porta do salão, no intervalo entre dois cortes, a fumar cigarros. Acho-o triste. Nunca o vi sorrir. Está sempre tenso como se, permanentemente, lhe faltasse alguém. Depois de me cumprimentar pergunta, com um sumiço de voz, como quero o cabelo. “Curto, muito curto”. Ele olha-me. Sabe que quando uma mulher arrisca tanto é porque alguma coisa se passa na sua vida. Das duas uma. Ou tem vontade de fechar um capítulo da sua vida e começar de novo, tornando-se numa outra pessoa, ou, então, precisa de se flagelar, de se penitenciar, de se magoar. Cortar o cabelo equivale a uma expiação. Ele senta-se num banco alto, com rodas, e engole uma pergunta qualquer que estava prestes a fugir-lhe da boca. Começa a cortar enquanto cantarola baixinho uma canção. Tesoura em riste, com precisão, vai-me decepando o cabelo. Ceifa-o com golpes profundos. Eu, como quando era pequena, desvio o olhar do espelho oval e começo a contar os vidrinhos de verniz que estão no interior de um cesto de verga.
Sansão (1)
Sempre foi assim. Em criança, quando rumava ao cabeleireiro com a minha mãe, as cabeleireiras elogiavam-no sempre. Chamavam-se umas às outras para ver a força do meu cabelo. Eu sentia-me uma espécie de Sansão aprisionado num corpo de menina. A dona do cabeleireiro, uma senhora redonda e feia, com muitos anéis nos dedos, cujo nome não recordo, era quase careca. Por baixo dos poucos cabelos, via-se a pele lustrosa do crânio. Sempre que me via, sentada na cadeira, a fugir com os olhos para o chão para evitar conversas de circunstância, pegava nas madeixas do meu cabelo e dizia “Que sorte, a tua. Quem me dera ter um décimo do teu cabelo!”. Eu fazia-lhe um sorriso, muito forçado, sabe Deus o que me custava aquele sorriso amarelecido e falso, e desviava de novo o olhar para outro canto qualquer do salão. Para os carrinhos cheios de rolos, molas, escovas e tesouras. Ou para os escaparates com frascos bojudos, outros esguios, de cores variadas e apetecíveis. A verdade, porém, é que aquela mulher, gorda, de crânio lustroso, me assustava. Quando ela me dizia aquilo, eu, pequena, sentada na cadeira, imaginava-a uma Dalila feiosa e furiosa, uma espécie de feiticeira, capaz de me lançar um feitiço para se apoderar do meu cabelo.
2011/05/20
Calor de Agosto
Com o calor de Agosto, num instante, a fagulha se ateou e incendiou-lhe o corpo. A culpa, via-se bem, era dele, que não era homem para a não assumir, mas também do calor, do maldito calor de Agosto. O juiz escutou o assassino em silêncio e, sem se dar conta, encontrou alguma beleza nas suas palavras. As vizinhas, durante o julgamento, contaram os pormenores daquela vida. A pancadaria era muita e as discussões permanentes. Discutiam por tudo e por nada. Por causa do dinheiro, por causa do choro do menino, que tinha muitas cólicas, mas, sobretudo, por causa da televisão. Ele queria ver o domingo desportivo; ela queria ver as telenovelas. Os gritos interrompiam o silêncio da noite. Eram gritos lancinantes. Pareciam arrancados de dentro. O homem chamava muitos nomes à mulher, nomes indecentes, porcos e ordinários, nomes que custava repetir ali, na sala de audiências, na presença dos senhores doutores juízes. Porém, explicaram as depoentes, quando amanhecia, a porta do apartamento abria-se e saiam os dois, homem e mulher, a caminho da paragem do autocarro. Como se nada se tivesse passado. Às vezes, quando a mulher trazia o corpo mais moído da pancada, o homem aliviava-lhe a carga e levava o bebé ao colo. Uma mulher contou que, muitas vezes, enquanto ele lhe batia, ela pedia “Amor, por favor, não me batas na cabeça”.
(Esta frase, lida num jornal, não me larga. Acho que nunca me largará.)
2011/05/18
Músculos
2011/05/17
Bavaroise
2011/05/13
Bia e o mar (2)
Chegámos à praia devia ser quase quatro horas. É uma praia pequenina. O areal estende-se entre duas arribas. É uma praia de rochas, algas, de caranguejos pretos espojados ao sol, onde há sempre barcos de carga na linha do horizonte e se vê, ao longe, o casario de Sines e as chaminés da central eléctrica. Fica perto da rotunda onde a prostituta anã, na torreira do sol, aguarda a chegada dos velhos de boina que a levam para o pinhal e a deitam na caruma. Reparei que a Bia se deixou estar, durante muito tempo, a olhar o mar. Abeirei-me dela. Explicou, então, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que era a primeira vez que estava perto do mar. Já o vira de passagem, da estrada, quando fora a um casamento a Vila Nova, mas nunca estivera assim tão pertinho. Perante a minha surpresa, tentou justificar. O meu pai trabalha na oficina a semana toda e, ao domingo, gosta de jogar às cartas no café. A minha mãe não gosta da praia. O egoísmo dos pais da Bia aborreceu-me. De que serve ter um filho e não lhe mostrar o mar? Ou a noite? A aldeia fica a vinte quilómetros da costa e a Bia, nos seus dez anos, nunca vira o mar. A mãe nunca largou o parapeito da janela, o pai nunca largou a oficina, o irmão nunca despiu a farda para a levarem a ver o mar. Olhei a Bia com admiração e uma pontinha de inveja porque, ao contrário de mim, terá memória do momento mágico em que tocou no mar. Ficou a tarde toda dentro de água e eu de vigia com medo de tanto afoitamento. Só saiu para comer a sandes de presunto que a mãe lhe mandou para o lanche. Comeu-a a fugir, a tiritar de frio. Depois, voltou a enfiar-se na água, como se o mar lhe pudesse fugir, como se fosse coisa passageira, um acidente na sua vida.
(a Bia gostou do mar e o mar, tenho a certeza, gostou muito da Bia.)
2011/05/11
Bia e o mar (1)
2011/05/10
Andorinha
Tarde de domingo
Observo e penso e penso assim: mais lindo que o amor entre raças só o amor entre espécies. Uma coisa enternecedora. Varro o horizonte à cata da minha prole. O mais novo galopa. Trota como um potro. Já esfolou os joelhos, já rompeu as calças, já comeu folhas e formigas, já escorropichou duas garrafas de minis que encontrou abandonadas, ficou a plateia de mães horrorizada, ai que o menino se perde, coitadinho, e a mãe não lhe diz nada, desgraçada. O mais velho joga à bola a um canto do jardim e ensina palavrões aos primos mais novos. A minha filha está a quatrocentos quilómetros e, expliquei a quem por ela perguntou, despacha-me com três frases quando lhe telefono. Está tudo bem. Não te preocupes. Beijinhos, mãe. Olho a plateia de mulheres. Estão sentadas em cadeiras de plástico; comem folhadinhos de salsicha, bebem bebidas coloridas. Não dão por isso, mas trazem o corpo estafado. A maternidade cansa e mói em silêncio. É como um veneno que se bebe sem se dar conta. Há nelas uma felicidade genuína, uma maternal plenitude de confiança e experiência que me aborrece até à náusea. Muitas, olhando-me e à mulher da cadelinha, hão-de achar a vida madrasta, o destino muito vil e cruel: eu, displicente, deveria ser a dona da cadelinha aristocrata; a mulher do ventre vazio, amorosa, amável, tão disponível para participar nas tertúlias femininas sobre receitas da bimby e pediatras, deveria ser a mãe dos meus filhos. Compunha-se um bocadinho o mundo e fazia-se justiça na tarde de domingo.
2011/05/03
Calipo de morango
Cansaço
2011/05/02
Ground Zero
2011/05/01
Testículos de galo
Canja de galinha
2011/04/29
Pita Shoarma
(A Dá, muito intuitiva, diz frequentemente que o João é o meu filho preferido. Digo-lhe sempre que não, que não tenho filhos preferidos, mas tenho.)
2011/04/27
Humilhação
2011/04/26
Entranhas
(No sábado, escutei a Clara Ferreira Alves durante cinco minutos no Eixo do Mal. Não a ouvi durante mais tempo porque não fui capaz. Revolveram-se-me as entranhas, mas dissiparam-se-me as dúvidas.)
2011/04/20
Catinga
(pretérito mais que imperfeito.)
2011/04/19
Semana Santa
2011/04/18
Acordar
2011/04/15
Entorse
2011/04/14
Reflexão Dominical
2011/04/13
Mulheres Cantoras
2011/04/12
Câmara Lenta
Cicciolina
2011/04/11
Mosto
2011/04/07
2011/04/06
Infiltração
2011/04/05
Aninhas
2011/04/04
2011/04/03
Raízes
2011/04/01
Companheiro
(Fui a este concerto e chorei. Às vezes, muitas vezes, tenho saudades da mulher que fui.)
2011/03/31
Modern Family

2011/03/29
Branco
Menina Elsa
2011/03/25
Chacais
A tia Dé, querida comunista, que se deixou cativar pelo Sócrates, de máscara cirúrgica a tapar-lhe a boca, para não passar a constipação aos meus filhos, mal escutou a notícia do aumento do IVA, lançou-me um olhar furibundo, como quem diz, estás a ver a besta que o homem é. Eu também estou muito doente, tenho as vias respiratórias entupidas com muco, mal respiro, não corro há mais de uma semana, trago o corpo perro, cheio de ferrugem. Não consegui, por isso, arranjar uma discussão com a minha tia. Mas custa-me imenso vê-la cair na lábia dos chacais.
2011/03/24
Pó
Marisa
(o resto, querendo, podem ler aqui.)
2011/03/18
Ocidente
Jardim de São Lázaro
2011/03/12
2011/03/10
Primo Renato
2011/03/07
Memórias
Pai
2011/03/06
2011/03/04
Marta
2011/03/02
Honra
2011/03/01
Verdes Anos
Deitada na cama, a claridade da manhã a entrar pelas frinchas dos estores, com um nó a estrangular-me a garganta, uma tristeza a entrar-me devagar pelos orifícios do meu corpo, recordo. Ilda, Júlio. O tio de Júlio, sapateiro. A entrada da reitoria com os painéis do Almada Negreiros. O céu cinzento a ameaçar com nuvens espessas. O chão do café coberto de beatas e serradura. As avenidas novas da cidade, rasgadas em paralelas e perpendiculares. Os prédios altos, tão altos, quase a tocar o céu. A casa onde Ilda trabalha. O senhor, a senhora, a sobrinha dos senhores. O passeio de domingo até ao aeroporto por entre caminhos poeirentos, quentes, de pinheiros, arbustos, gargalhadas, cumplicidades. Ilda e Júlio felizes. Os aviões, lá ao fundo. A cidade, a preto e branco. Os seus limites visíveis, palpáveis como se tivessem sido traçados a lápis por um guardião gigante. Aqui acaba a cidade, o alcatrão, o fumo, as paredes, os muros, a confusão. E aqui começa o campo, o verde, o azul, as hortas, o regato, ali uma casa, animais, árvores. Recordo, sobretudo, o baile nesse local mágico e único que reconheci mal o vi através dos olhos do Paulo Rocha. O tecto pintado, por mim, imaginado em tons de ocre e laranja, os desenhos indefinidos, esboroados, a escadaria da entrada com os degraus gastos, as arestas de mármore arredondadas pelo uso, o pátio interior, por cima, um rectângulo branco de céu. As janelas enormes por onde, naquela tarde, distante e melancólica, entrava uma luz fraca, crepuscular. Naquela tarde, ouvia-se esta canção. Esta canção, infinitamente bela e triste, que anunciava o fim.
2011/02/25
Static Man
Mal-amanhados
Beco
2011/02/16
Baltazar Abelha
Fecha-te Sésamo
O marido está finalmente despachado. Odete afasta-o com as mãos. Levanta-se com cuidado. Veste o robe que está aos pés da cama. Contrai os músculos do períneo a ver se fecha a abertura vaginal. Fecha-te Sésamo. Caminha até à casa de banho para se lavar. O percurso é longo. Os seus passos tornam-se leves, os pés mal tocam no chão para que o impacto não provoque um derrame inesperado. À cautela, não vá escapar-se uma gota e salpicar o soalho que lhe dá tanto trabalho a encerar nas manhãs de sábado, coloca sempre a mão por baixo da vagina. Vai pelo corredor, o robe aberto, pisando a passadeira de linólio, os músculos do pavimento pélvico contraídos, as mãos rebentadas de picar alhos e cebolas a amparar qualquer fuga. Duas andorinhas de loiça esvoaçam nas paredes e, no seu nicho, uma nossa senhora de fátima padece numa luz triste, vermelha de lupanar. Quando finalmente se senta no bidé, suspira de alívio. Nem uma gota se perdeu. Sacoleja o corpo a ver se lhe arranca os resquícios que o marido lá deixou. Depois de lavada, veste umas cuecas de algodão e a camisa de noite. Volta para o quarto. Deita-se à bordinha da cama. Adormece.
2011/02/07
Chuva
Durante muito tempo, uma eternidade, achei que era a única rapariga do mundo que me masturbava. Sabia que os rapazes o faziam. Falavam entre eles sobre o assunto, vangloriando-se, de modo um pouco absurdo, das raparigas que imaginavam enquanto se tocavam freneticamente. A masturbação (palavra proscrita naquela altura no universo feminino e agora também) era permitida aos rapazes porque era uma inevitabilidade da sua natureza. Revelava virilidade e mostrava o lugar que homens e mulheres tinham na ordem do mundo. Os homens masturbavam-se, as mulheres não. Ponto. O prazer que uma mulher sozinha arrancasse do seu corpo era pecado, era uma coisa muito suja, muito porca, sinal de desvario, de transvio. Cabia aos homens inaugurar a vida sexual das suas namoradas e esposas. Na verdade, devia ser assim porque eu não conhecia uma única rapariga que se masturbasse. As minhas amigas nunca falavam do assunto e faziam um esgar de sincero nojo se a palavra “masturbação” fosse pronunciada. Convenci-me, pois, que era a única rapariga do mundo que pensava em sexo. Esse sentimento de orfandade, de pária, de indigente, deixava-me num estado de inquietude e incerteza. Por um lado, cedia aos ditames dos bons costumes e achava que estava perdida. Lastimava a minha pouca sorte. Queria ser como as outras raparigas que viviam dentro de corpos mortos. Essas raparigas, já mortas, morriam todas as noites um bocadinho mais. Era assim que eu queria ser. A vida de uma mulher morta é um sossego. Às vezes, porém, dava por mim a achar que o meu segredo tinha um lado bom: a prática de tantos e tantos anos de masturbação havia de me tornar mais tarde numa amante eficiente e competente.
Percebi que era uma mulher normal, alguns anos mais tarde, quando vi o primeiro filme do Steven Soderbergh. Foi uma revelação. Afinal havia mulheres como eu, mulheres que gostavam de sexo e que não esperavam pelos homens para cumprir os seus desejos. Suspirei de alívio. Ainda por cima, as mulheres desse filme, são só duas, eram muito mais bonitas e interessantes do que aquelas com quem me cruzava no bairro e na universidade. Tal facto consolou-me. Apaixonei-me naturalmente pelo James Spader, o impotente. Ainda hoje, quando penso no assunto, acho que o parceiro ideal para mim devia ser assim, impotente. Mas isso são conversas que ficam para outra ocasião. Nesse verão pedi à minha mãe que me costurasse um vestido largo, tipo bata, com botões à frente, igual aos que a Andie MacDowell usa no filme. Acreditei que um dia havia de amanhecer perto de alguém a quem pudesse dizer “parece que vai chover” e que esse alguém saberia ler tudo o que essas palavras não dizem. Hoje, passados tantos anos, lido bem com o meu onanismo. Faz parte de mim. É uma competência. Uma espécie de qualificação.
Março 2010
(O meu filho João utiliza a palavra masturbação com uma naturalidade que me dasarma.)
2011/01/31
Sábado
2011/01/28
Air Pegasus
Está quase a habituar-se à ideia de perder aquela mulher - é perito em perder o que nunca foi seu -, quando, certo noite, se cruza novamente com ela. A princípio, não a reconhece. Traz o cabelo solto, veste calças de ganga, calça umas sabrinas de cabedal. Caminha. O juiz percebe que ainda vem trôpega, como um vitelo acabado de nascer, as pernas bambas habituam-se ao peso de um corpo que se movimenta devagar. Em breve, caminhará como ele. Nessa noite, o juiz não consegue dormir. Qualquer coisa que o atormenta. No dia seguinte, mal sai do tribunal, compra uns ténis de corrida com nome de cavalo alado, uma camisola sem mangas, uns calções justos com forro térmico. Volta a cruzar-se com a mulher nos dias seguintes. Ela caminha. Cada vez mais segura. Ele corre. Cada vez mais depressa. As suas passadas continuam a ser incompatíveis. Uma mulher que caminha não quer um homem que corre.
2011/01/13
Branca
Todos queriam salvar Branca daquele destino trágico e cada um deles, no seu íntimo, achava-se capaz de o fazer, cumprindo a sua vocação natural, usando de uma virilidade que julgavam eficaz e irresistível. Salvar Branca era a única oportunidade que tinham na vida de praticar o bem sem que lhes fosse exigida uma pontinha de sacrifício. Ela, porém, não tinha quaisquer expectativas em relação aos homens com que se envolvia. Dormia com eles para os observar. Desenvolvera capacidades apuradas de observação. Estudava-os como se de bichos se tratassem. Agrupava-os em categorias. Os homens davam-lhe sempre o seu melhor. Esmeravam-se no acto da cópula, esforçavam-se por a tocar nos sítios certos, faziam uso das mãos, suspiravam-lhe palavras ao ouvido. Falhavam sempre. Quando davam conta da sua derrota, ficavam inertes. Olhavam o vazio. Para muitos, era a primeira vez que o fracasso lhes aparecia tão nítido pela frente. O estremecimento inicial voltava. Sofriam. Não por Branca, mas por si próprios. No fim da noite, era sempre ela que os consolava.
2011/01/11
Aninhas
2011/01/08
Saltykov-Shchedrin
Arkansas
Até que um homem se pôs a gritar que aquilo era um sinal divino, deus, zangado, anunciava o fim do mundo. Estava no livro sagrado. Uma mulher deu uma gargalhada, mangando da ignorância do crente. Desviou a objectiva das cascatas de luz e começou a fotografar o fenómeno, procurando o melhor ângulo para uma documentação credível. Um homem bonito, de olhos espessos, aproveitou a primeira agitação da multidão. Protegeu o rosto com as mãos e começou a abrir caminho na multidão. E se alguma ave, ao cair, lhe acertasse de bico, rasgando-lhe o rosto, marcando-o para sempre? Uma mulher gorda, que morava perto do cais, gritou ao marido que, na manhã seguinte, apesar de ser dia de ano novo, teriam de varrer o telhado e inspeccionar os algerozes. Só uma rapariga se comoveu com aquela mancha de morte. Apanhou um tordo que caiu aos seus pés e sentiu-lhe o corpo morno.