2007/03/22

Otília

Não se chama Otília. Mas podia chamar-se. Otília é um nome redondo. Cilíndrico. Curvo. Gordo. Otília-Lua. Otília-Terra. Otília-Sol. Otília-Laranja. Otília-Bola. Otília-Berlinde. Otília-Melancia. Cruzo-me com ela quando, no final do dia, vou buscar os meus filhos. A hora da minha chegada coincide com a sua hora de saída. Trabalha num dos apartamentos do prédio dos meus pais. Não sei em qual. Tem um sorriso tímido. Escondido. Quase infantil. Parece uma menina grande. Vem sempre afogueada, cheia de sacos. O saco do lixo. O saco dos papéis, dos cartões. O saco dos vidros. O saco das embalagens. Deposita-os nos contentores coloridos que estão perto da porta da entrada. É nova. É bonita. É negra. Tem um tom de pele muito escuro. Deve ser guineense. Ou portuguesa, filha de guineenses. Tem a cor doce e amarga do chocolate para culinária. A cor das barras de chocolate Belleville que uso para fazer a mousse. É como se o seu corpo fosse feito de açúcar, pasta de cacau, manteiga e leite em pó. Apesar do corpo imenso, usa sempre roupas claras e decotadas. Roupas que lhe deixam a descoberto as formas. O seu corpo faz-me lembrar as antigas deusas da fertilidade que ilustravam o meu manual de História Universal do 7º ano. O meu olhar fixa-se sempre em dois pontos. Nas mamas e nos pés. Tem uns pés bonitos, inesperadamente pequenos. Os dedos muito certinhos, gordos, as unhas de um cor-de-rosa clarinho. As mamas, pelo contrário, são enormes, imensas. Parecem não ter fim, como se fossem florestas virgens, escuras, de vegetação cerrada, molhada, feitas de sombras, de sequóias, trepadeiras, arbustos espinhosos, musgos e fetos. Imagino-a a dar de mamar ao filho que, provavelmente, ainda não tem. Imagino-a com um namorado magrinho, de bigode ralo e olhos dengosos. Imagino-o a olhar para aquele peito, cheio de vontade de nele se afundar e, para sempre, se perder.