2007/12/07

Voz amiga

Preparam-se para, a título experimental, criar um cartão de emergência para os suicidas ou potenciais suicidas. Do tal cartão consta uma lista de sítios e telefones a que se pode recorrer nos momentos de crise. Serve o cartão, também, para etiquetar os suicidas perante o sistema nacional de saúde. Podem, se tiverem o tal cartão, beneficiar de atendimento prioritário em consultas de psiquiatria e afins. Não represento nenhuma confraria de suicidas nem nenhuma associação de suicidas anónimos, mas acho que a medida tresanda. As linhas de telefone de ajuda só têm estafermos do outro lado. Desconfio que a maior parte deles tem uma vida tão desolada e triste que se suicida em catadupa. Quanto aos psiquiatras do sistema nacional de saúde estão, quase todos, mais interessados em despachar rapidamente os suicidas falhados que chegam às urgências dos hospitais públicos. Querem que a manhã passe veloz para correrem aos consultórios privados, onde há divãs de design, empregadas solícitas e telas da Armanda Passos penduradas nas paredes.

(Ainda não me tinha sentado na cadeira, já o médico me estava a perguntar se queria ser internada no Júlio de Matos. Disse-lhe que não e expliquei-lhe que dispensava o estigma. Nunca hei-de esquecer a palavra que utilizei. Estigma. Usada naquela ocasião, com o meu corpo tão presente, eu que não o queria, achei-a insuportavelmente pretensiosa e despropositada.)