O escritor pega na caneta. Leva a mão à testa para limpar as gotículas de suor que lhe cobrem a testa. Ajeita o corpo à cadeira de plástico. Procura uma réstia de conforto na tarde de calor. Pede a um dos assistentes uma garrafa de água. Pergunta, sorrindo, o nome ao leitor. Olha-o de frente. Abre o livro e escreve. O leitor sente-se um intruso. Como se estivesse a tentar forçar uma intimidade que não existe. Leu o livro e gostou. Recomendou-o aos amigos. Demorou a guardá-lo na estante. Se tivesse de escolher o melhor livro do ano escolheria aquele. É por isso que está ali. Repara que o escritor é muito jovem. Desenha as letras do seu nome com vagar. Tem nódoas de gordura na camisa branca. Quando sorri, mostra pedaços esverdeados de comida nos dentes. Terá, porventura, comido salada de alface ao almoço. Ou tarte de espinafres. Ou sopa de nabiça. Uma pontinha de desilusão começa a invadir o leitor. Arrepende-se do seu gesto. Agradece o autógrafo. Afasta-se com a certeza de que o livro é mais seu do que do homem que o escreveu.
(tenho sentimentos contraditórios em relação à feira do livro.)
(tenho sentimentos contraditórios em relação à feira do livro.)