Só ao domingo o filho parecia despertar daquele torpor que desde sempre lhe tomava conta dos dias. Sempre que o Benfica jogava o rapaz procurava um cachecol que Maria Adosinda lhe tricotara há muitos anos, era ainda pequenino, e sentava-se em frente ao televisor. O cachecol não era sequer vermelho. Era cor-de-laranja, tricotado com agulhas grossas, o ponto laço e irregular. Ainda assim, na sua tolice, o filho tomava o cachecol por vermelho e enrolava-o à volta dos pulsos ao jeito dos adeptos mais novos que via nas bancadas do estádio. Quando o jogo não dava na televisão, puxava uma cadeira para perto do rádio da cozinha e, muito direito, escutava o relato. Sempre que o Benfica marcava um golo, gritava de alegria. Dizia goloooooooooo, assim mesmo, prolongado a palavra durante vários segundos. Às vezes, a alegria era tanta que o rapaz se levantava e abraçava a mãe. Dava-lhe beijos babosos que a deixavam secretamente feliz. Para lá com isso, Ricardo Jorge, e aproveitava o intervalo para lhe limpar a boca com a fralda avental.