Certa vez instrui a minha irmã mais nova sobre o meu funeral. Uma mulher deve ser previdente e cuidar de todos os seus assuntos, incluindo a morte. Se há coisa que me aflige é imaginar-me enterrada num cemitério com vista para a cril ou para a crel ou para a radial de Benfica. Junto a um retail park. Até me dá arrepios. Pedi-lhe que me enterrasse no cemitério da aldeia, perto dos nossos avós, onde, mesmo morta, possa sentir o cheiro das figueiras e escutar o ronco das motorizadas que, pela tarde, levam os velhos de volta para os montes. Que tratasse de me arranjar uma campa rasa, com uma lápide branca, sem fotografias ou epitáfios. Que me vestisse a saia antiga, rodada, de veludo cotelê, me apanhasse o cabelo numa trança e colocasse nas orelhas as arrecadas incas que nunca fui capaz de lhe oferecer. Se for tempo das dálias e dos cravos túnicos que peça licença à vizinha Teresa e à Preciosa dos queijos, a que é belfa e usa sempre um chapelinho de palha, para os apanhar dos canteiros e os coloque numa jarrinha branca. Fi-la prometer que me enterraria sem a presença de estranhos. Quero um funeral selecto. Com quem gosto. E preciso. Pai, mãe, tia, irmãos, filhos, sobrinhos, as primas da aldeia. Mais ninguém. Pedi-lhe, ainda, que cantasse o poema: Quando eu morrer batam em latas, rompam aos saltos e aos pinotes, façam estalar no ar chicotes, chamem palhaços e acrobatas! Que o meu caixão vá sobre um burro ajaezado à Andaluza... A um morto nada se recusa. E eu quero por força ir de burro. Ai dela que não me faça as vontades! Pobre e querida maninha. Hei-de voltar, pior do que fui, um espectro medonho e terrível, para lhe fazer a vida negra.
(Gosto tanto da minha irmã. Buéréré.)
(Gosto tanto da minha irmã. Buéréré.)