2010/10/21

Domingo (2)

Quando o marido alterou os seus procedimentos, passando a procurá-la apenas nas noites de domingo, Odete aborreceu-se. Agradecia o sexo agendado, era ao domingo, sempre ao domingo, mas não suportava que os lençóis mudados ao sábado, imaculados, cheirando tão bem, a sabão de marselha, a aloé vera, a flores orientais, se sujassem no dia seguinte. Era o suor, eram os derrames ocasionais de esperma, era o cheiro animal de corpos, coxas, nádegas, o pénis do marido, a sua vagina nua, esfregando-se no tecido dos lençóis! Na noite seguinte, à segunda, deitava-se e sentia que não se deitava na sua cama. Era uma enxerga imunda. Um catre de asilo que roda de dono todas as noites. Um dia, puxando a roupa para trás, encontrou mesmo dois pelos púbicos do marido, muito pretos, encaracolados, aninhados em espiral como vermes. Analisou o problema. Percebeu que havia apenas uma solução: deixaria de mudar a roupa da cama ao sábado, passaria a fazê-lo à segunda-feira. Fazia-o, porém, com sacrifício. Sendo um dia de semana, a segunda-feira não lhe deixava muito tempo livre. Na altura, ainda os filhos eram pequenos, desde que entrava em casa até à hora do jantar, andava num corrupio: vigiava os trabalhos de casa, fazia o jantar, preparava as marmitas para o colégio, varria quartos, corredores, a sala, limpava as casas de banho, tratava da roupa. Por mais que tentasse, e tentou-o várias vezes, não conseguia desempenhar aquela tarefa antes do jantar. A mudança da roupa da cama ficava sempre para depois. Apressava a limpeza da cozinha, muitas vezes, não tinha sequer tempo para arear os bicos do fogão. Deixava a loiça a secar em cima do balcão e corria para o quarto. Perdia quase sempre o início da telenovela. O marido a chamá-la, Odete, anda, já está a dar a novela, ela no quarto a esticar lençóis, a enfiar o bico de pato nos cantos da cama, a zelar pela higiene do lar. Mas o sacrifício valia bem a pena! Aos domingos, o marido passou a sujar o que já estava sujo. Podia esfregar o corpo nos lençóis, soltar líquidos, impar, guinchar, cuspir se quisesse, podia esvair-se em sangue, derramar as entranhas, soltar mucos, esvaziar os testículos! Ela não se importava. No dia seguinte, mudava os lençóis, aspirava com o bico de pato os bichos que comiam pó, adormecia numa cama limpa. Na verdade, nas noites de domingo, nas tais noites que se tornaram ruma rotina inalterável, já lá vão tantos anos, o que menos custa a Odete é o sexo propriamente dito. O sexo é uma obrigação que cumpre como outra qualquer. Num instantinho a vida passou e uma mulher acostuma-se a tudo. Não sente dor. Não sente tristeza. Não sente nada. Não a aborrece o sexo que se pratica com hora marcada, muito pelo contrário, só tem a agradecer ao marido ter tornado o sexo numa rotina. Poupou-a à imprevisibilidade da coisa, evita-lhe a ansiedade, a angústia da incerteza. É ao domingo, sempre ao domingo. Ficaram os restantes dias da semana libertos, pode dormir descansada, adormecer em sossego: o sono não será interrompido para o cumprimento das obrigações conjugais.