2011/10/13

Intrusa

Ao pequeno-almoço, no meio das mensagens eróticas do Público, internacionais e cosmopolitas - japonesas, polacas, russas, brasileiras e africanas, sempre discretas, apresentando-se com palavras contidas e insinuantes -, topei com uma prostituta muito ordinária e óbvia, oferecendo os seus serviços sem o mínimo de encanto. Dizia assim: adoro fazer de macho, transformismo, dominação física e verbal, chuva dourada, São João do Estoril. Fiquei irritada com aquilo. Então, alguma vez os homens, distintos, de classe, quadros superiores, assessores, intelectuais, pais de família, condutores de audis e bmws, que procuram companhia nas mensagens eróticas do meu jornal têm interesse em quem lhes mije em cima? Ou por uma cavalona de carnes flácidas que os faça gemer com chicotes e pregos e máscaras de cabedal? Os homens que procuram companhia nas mensagens eróticas do meu jornal são, sei-o, verdadeiros cavalheiros, comedidos nas suas fantasias, sensíveis, recatados. Dêem-lhes umas mamas grandes e ficam satisfeitos.

O meu espanto foi tal ao encontrar aquela ordinária, ali, tentando os pobres condutores de bmws e de audis, que me engasguei com o pão de deus que, naquele momento, mastigava. Relaxou-se a glote e um bocadinho de coco desviou-se do caminho. Valeu-me a prontidão da senhora da loja de lingerie, uma simpatia, muito boa vendedora, intuitiva, impinge-me collants da Dorien Gray, a oito euros e meio o par, já percebeu que, independentemente da qualidade e da resistência da lycra, não resisto a comprar collants de uma marca tão literária. Também compro perfumes sem os cheirar só porque gosto do nome. Un Jardin Aprés La Mousson. Largou a amável senhora o pãozinho com sementes de sésamo, linhaça e girassol que comia delicadamente ao balcão e correu em meu auxílio. Bateu-me nas costas, com vigor, até o bocadinho de coco sair disparado pela minha narina direita. Bendita senhora.