2013/07/14

Aninhas e a quiromante

Está acostumada aos pequenos acidentes que por vezes acontecem. Mete os lençóis a lavar a noventa graus e o edredão, volta e meia, tem de ir a limpar à lavandaria. Cada vez que lá vai, Aninhas tem de se sujeitar ao sorriso da empregada, uma brasileira já íntima da freguesia, sempre disposta a esquecer o serviço por dois dedos de conversa. É uma mulher vivaça, muito afogueada dos vapores que se soltam dos ferros com caldeira, esbagachada em vestidos justos, mostrando uma mamas enormes, imensas, que parecem não ter fim. Mas a brasileira da lavandaria não é só concupiscência exuberante: tem dons especiais, é uma espécie de quiromante. Sagaz, dotada de uma intuição apurada, é capaz de ler a vida de uma pessoa a partir de manchas e nódoas como outros a lêem das linhas das mãos e das borras de café. O cheiro a bafio é sinal de não querer largar o passado. Punhos e golas de camisa puídos revelam perseverança, desejo de alcançar uma vida monetária desafogada. Nódoas salpicadas em toalhas de festa são sinal de afectos intensos e espontâneos. Roupa amarfanhada, com pequenos rasgões nas costuras, mostram inflexibilidade e desentendimentos. Uma coberta de cama, cheia de manchas amareladas, revela frenesim no momento da separação dos corpos, é sinal mais que evidente de exacerbação sexual. Da última vez que Aninhas levou a colcha a limpar, a brasileira largou-lhe um sorriso retrincado e, depois de um instante a chupar os dentes para tirar um pedaço de febra entalado entre os molares, foi dizendo que as manchas já estavam muito entranhadas, da próxima vez, que trouxesse a colcha no dia seguinte, esfregando logo com vinagre branco e álcool talvez a coisa se compusesse. Continuou a chupar os dentes e, sem vacilar, entregou-lhe o volume plastificado. Aninhas sentiu um estremeção no peito e jurou nunca mais ali entrar.