2013/07/17

Planta carnívora

A modernidade exige-lhe artefactos: usa fiadas de pulseiras, colares coloridos e, quando ajeita o cabelo, mostra uma borboleta negra, tatuada no pescoço. É dada a misticismos, vitalismos e esoterismos, acredita no poder da risoterapia, da cristaloterapia e da cromoterapia, também pratica o reiki, o tai-chi e o kung-chi. Demora-se a explicar cada conceito, cada modalidade. No seu entender, explica muito séria, a felicidade pode facilmente alcançar-se com mantras, meia-hora de meditação por dia e uma alimentação livre de impurezas. Escuto-a sem a interromper. Tudo aquilo me parece disparatado e até um pouco triste. Tanto cuidado na escolha e acabo a falar com uma tipa que, rejeitando a tradição das suas origens, sem temer o ridículo da desadequação, parece admirar apenas a grandeza espiritual de países longínquos. Desprezo quem, encontrando nesse tipo de contemplação um sinal de mundividência, não se dá conta que tal apreço pelo exótico revela apenas provincianismo. Que estúpida, que grande estafermo, penso. Com um entusiasmo quase delirante, a rapariga põe-se a falar do espírito cósmico. A conversa desnorteia-me, afasta-me cada vez mais do meu propósito. Sinto  um profundo desalento durante o resto da refeição. Tudo o que oiço me parece despropositado, mesquinho, de uma frivolidade que me incomoda. Quando a rapariga se levanta para ir à casa de banho volto a olhá-la. A maquilhagem procura diluir a banalidade, boca apagada, lábios tão finos que mal se distinguem do resto do rosto, olhos espantadiços. O corpo, porém, hipnotiza, formas preenchidas no busto e quadril, a cintura marcada por um cinto de duas voltas. Fala de espiritualidade, mas é apenas matéria. O palavreado místico é um véu enganador, a carne é a sua vocação, o corpo funciona como a armadilha de uma planta carnívora.