2015/12/22

Natal

Ao fim da manhã, desconcentrada, com o nariz a pingar, olhos embaciados, interrompi o trabalho para ler dois contos de Tchekhov. Retirei da mala a edição de bolso que trago sempre comigo, simples e levezinha, comprada há alguns anos na Pó dos Livros. Durante dez minutos, o meu gabinete transformou-se: o vento soprou palavras de amor ao ouvido de Nádia e Pavel Ivanitch, funcionário velho, feio e muito parvo, correu ao pavilhão na expectativa de ali se encontrar com uma jovem loura de nariz arrebitado. Voltei a enfiar o livro na mala. “É incrível o poder da boa literatura!”, reflecti enquanto me levantava. Soltei as cuecas que se haviam enfiado no rego do rabo e pintei os lábios de vermelho. Muito regalada, consoladinha, saí depois para comprar uma agenda nova e vender à D. Maria de Jesus as duas últimas libras de ouro que me restavam.