2016/01/26

Pagode chinês

O turco ajeita o postal da Basílica de Santa Sofia na parede de cortiça, depois faz tilintar os olhos em forma de gota que estão para venda num pequeno mostruário. Ao entregar-me as chaves, olha-me com desdém, não é capaz de o esconder. Toma-me por adúltera, uma mulher fácil, sem decência e sem salvação. Não me importo. Sei agora da importância de saber conjugar certos verbos. Conjugo certos verbos como se rezasse. Lentamente, inteira, com devoção: eu fodo, tu fodes, ele fode, nós fodemos, vós fodeis, eles fodem. Pego nas chaves, pago o quarto, subo ao terceiro andar. Alguém deixou os sapatos no corredor. São sapatos de homem, brilhantes e ligeiramente revirados na ponta. Aladino, cansado, dorme num dos quartos da pensão Istambul. Abro a porta, largo a mala em cima da cama, descalço as botas. Espreito as vistas. Outros olharam por esta janela, viram exactamente o que agora vejo: o alçado lateral da Igreja dos Anjos, o edifício amarelo da sopa dos pobres, um prédio forrado a azulejo, também os telhados retorcidos de um pagode chinês. Há poesia em cada homem, cada mulher. Volto para dentro, puxo os lençóis para trás e deito-me.