Aninhas, nas noites de Inverno, enquanto
esperava que o professor de semiótica ligasse, sentada em frente da televisão, acendia sempre um aquecedor eléctrico de resistências incandescentes. Costumava ter os pés
frios e os dois filamentos cor de laranja, brilhando na escuridão,
davam-lhe algum consolo. O lume é uma
companhia, lembrava-se de ouvir a avó dizer quando era pequena. O pequeno radiador eléctrico, com as suas lágrimas de
fogo contido, pousada aos pés, era um triste substituto dessas fogueiras.
Fazia-lhe companhia.Mas deve ter-se cuidado com as
companhias que as há perigosas. Uma noite, em que adormecera a ver um documentário sobre crocodilos, acordou com um cheiro intenso de borracha queimada.
Deixara os pés demasiado perto do aquecedor e a sola das pantufas amolecia com o calor das resistências ligadas na potência
máxima. Em vez de se descalçar, assustada, levantou-se com um salto. O peso do
corpo pressionou os pés sobre as solas que ferviam. A pele ficou apenas
superficialmente queimada, mas a erupção de uma flictena obrigou-a a estar
sem andar durante alguns dias; deitada na cama, os pés cobertos com um creme gordo, entreteve-se a ler revistas de culinária para
aprender a confecção de pratos que agradassem ao professor de semiótica. A epiderme acabou por
cair, nasceu outra, dura e calejada e, por baixo do mindinho do pé esquerdo, no lugar da flictena, uma pequena verruga muito obstinada que, apesar da constante aplicação de adesivos
com ácido salicílico, insistia sempre em nascer.