Está acostumada aos
pequenos acidentes que por vezes acontecem. Mete os lençóis a lavar a noventa
graus e o edredão, volta e meia, tem de ir a limpar à lavandaria. Cada vez que
lá vai, Aninhas tem de se sujeitar ao sorriso da empregada, uma brasileira já
íntima da freguesia, sempre disposta a esquecer o serviço por dois dedos de
conversa. É uma mulher vivaça, muito afogueada dos vapores que se soltam dos
ferros com caldeira, esbagachada em vestidos justos, mostrando uma mamas
enormes, imensas, que parecem não ter fim. Mas a brasileira da lavandaria não é
só concupiscência exuberante: tem dons especiais, é uma espécie de quiromante.
Sagaz, dotada de uma intuição apurada, é capaz de ler a vida de uma pessoa a partir
de manchas e nódoas como outros a lêem das linhas das mãos e das borras de
café. O cheiro a bafio é sinal de não querer largar o passado. Punhos e golas
de camisa puídos revelam perseverança, desejo de alcançar uma vida monetária
desafogada. Nódoas salpicadas em toalhas de festa são sinal de afectos intensos
e espontâneos. Roupa amarfanhada, com pequenos rasgões nas costuras, mostram
inflexibilidade e desentendimentos. Uma coberta de cama, cheia de manchas
amareladas, revela frenesim no momento da separação dos corpos, é sinal mais
que evidente de exacerbação sexual. Da última vez que Aninhas levou a colcha a
limpar, a brasileira largou-lhe um sorriso retrincado e, depois de um instante
a chupar os dentes para tirar um pedaço de febra entalado entre os molares, foi
dizendo que as manchas já estavam muito entranhadas, da próxima vez, que trouxesse
a colcha no dia seguinte, esfregando logo com vinagre branco e álcool talvez a
coisa se compusesse. Continuou a chupar os dentes e, sem vacilar, entregou-lhe o volume plastificado. Aninhas
sentiu um estremeção no peito e jurou nunca mais ali entrar.