2014/03/29

Pensão Gerês (2)

Ali”, digo pouco depois e aponto para um prédio que fica na esquina da Rua Barros Queirós. Na varanda do terceiro andar, uma placa antiga anuncia “Pensão Gerês”.  Caminhamos, apressados. Ainda assim, sou capaz de me dar conta das movimentações dos africanos no adro da Igreja de São Domingos. Há homens ociosos que mantêm a alegria da conversação, falam ruidosamente, gesticulam, as palmas das suas mãos são cor-de-rosa clarinho, quase brancas, mas os olhos, de tão raiados de sangue, assustam-me. Duas mulheres, de turbantes coloridos, pés enfiados em chinelos de corda, estão sentadas num banco de pedra. Vendem malaguetas verdes, quiabos e uns pequenos frutos alaranjados que não conheço. A entrada do prédio da pensão cheira a humidade, bolores, madeiras bafientas. Por cima das velhas caixas do correio, pequenas placas identificam os inquilinos: um advogado, um técnico oficial de contas, uma esteticista, dois osteopatas e um astrólogo. Subimos  ao terceiro andar e tocamos à campainha.  Uma mulher velha abre a porta. Usa chinelos ortopédicos e uma bata azul muito puída da gola. Parece espantada com a nossa chegada e, quando ri, mostra os dentes da frente cheios de sarro amarelo. Não se vê mais ninguém, não se escuta um ruído. A pensão parece deserta, parada no tempo, como se há muitos anos ali não entrasse ninguém. A mulher caminha devagar por um corredor estreito até chegar a um pequeno balcão de madeira escura. Em cima de uma mesa de encosto com formato de meia-lua vê-se um escaparate com folhetos turísticos e um arranjo de flores artificiais desbotadas pelo tempo. Quer saber quantas noites vamos ficar. “Ficamos uma noite e pagamos já”, esclareço. A mulher guarda o dinheiro numa gaveta que fecha à chave e leva-nos por um segundo corredor ainda mais escuro. As paredes estão cobertas até meio por azulejos que formam um padrão de formas geométricas e, apesar da penumbra, os candeeiros, de vidro fosco, estão apagados. Tudo é silencioso e sombrio, mas, subitamente, a mulher abre uma porta e faz-nos entrar num quarto limpo, amplo, arejado, cheio de luz. Há um roupeiro de espelho oval entre duas janelas, a cama é grande e está coberta com uma colcha azul clara, de cadilhos brancos. A luminosidade faz-me piscar os olhos. O Alexandre fecha a porta e começa a despir-me.