Ficamos na mesma posição durante
algum tempo, encaixados. Conversamos.
- Ainda gostas do Caetano Veloso?
- Já não, acho mesmo que não o
suporto.
- E do Chico Buarque?
- Oh, isso é amor para a vida
inteira...
Pouco falta para as seis. Não
tarda nada, o meu filho estará à minha espera no portão da escola, o rosto
redondo, muito bonito, parecido com o pai, os bolsos cheios de pedras e folhas
para mim. Tomo banho rapidamente, visto-me, pinto os lábios, ajeito o cabelo. Abro
as janelas. Em frente há um prédio pombalino abandonado, fuligem e cacos por
toda a parte, as ervas crescem no telhado e nas varandas. Os azulejos que
cobrem as paredes têm uma cor extraordinária. Um verde de bosque, misterioso,
profundo, húmido. O Alexandre chega pouco depois da casa de banho. Ao beijar-me
no pescoço sinto novamente o seu cheiro.
-Costumas reparar na beleza das
coisas?
- O quê?
- Se costumas reparar na beleza
das coisas?
- Sim, claro.
A resposta é de tal forma imediata
e mecânica que desconfio. É muito difícil encontrar quem repare na beleza das
coisas. Ele fixa o olhar numa das varandas do prédio abandonado. “Quem terá brincado com aquela bola?”,
pergunta e aponta para uma velha bola de futebol esquecida entre as ruínas. Olho-o
e, nesse instante, percebo por que razão nos encontramos assim, há já
tantos anos, intermitentemente, em quartos de pensões, sem querer nada um do
outro, sem desejarmos fazer parte da vida do outro. Descemos à rua. O Alexandre
fica na entrada do prédio à espera que a chuva passe. Corro para a paragem de táxis.
Tenho de estar às seis horas no portão da escola.