2006/11/30

Cretone Picasso

O motorista, pequenote, de bigode farto, falou-me do cretone picasso, padrão muito na moda nos anos cinquenta. Os reposteiros de todas as casas lisboetas eram forradas a cretone picasso, assegurou-me. Depois, cantou o cu, cu, cu, cu, ru, paloma. Eu, no fim de ele se calar, a dizer-lhe que só conhecia aquela canção cantada pelo Caetano Veloso. Ele a dizer qual Caetano Veloso, qual carapuça, menina, esta canção é do Pedro Henrique, do Pedro Henrique que era uma vedeta do cinema mexicano! Depois cantou outra canção. Quando cheguei ao meu destino, despedi-me, entregando-lhe uma nota que me pareceu suja, menor, indigna. Deixei o taxista mariachi seguir, rodar pela cidade dos bairros, dos jardins, dos velhos que alimentam pombos e jogam às cartas, a cidade das gargalhadas nos meninos de panamá e da prostituta loira que paira na esquina de uma rua da baixa, uma rua cujo nome não recordo, mas que sempre prende o meu olhar. Invejei, naquele momento, todos as mulheres que, depois de mim, entrariam no carro do taxista mariachi e para as quais ele cantaria. Fiquei parada no meio da rua a pensar em cretone picasso e no tal Pedro Henrique. Nem percebi que o sol, tão bonito, esmaecia sobre as paredes dos prédios de Campo de Ourique.