2008/01/30

Matilhas

Procurei saber por que não os apanhavam, por que os deixavam andar em liberdade, largando doenças por toda a parte, roçando em nós a sua vagabundagem, triste e desoladora. A explicação que me deram remonta ao pai da nação indiana, que entendia que a grandeza dos estados se mede também pelo modo como tratam os seus animais. Por essa razão Ghandi promulgou uma lei que, entre outros disparates, proíbe o cativeiro e a morte dos animais vadios. Desde então os cães rondam livremente as cidades e os campos da Índia. Em Goa estão por toda a parte. Nas praias assediam as turistas gordas que descansam ao sol. Nos mercados aguardam junto dos talhantes os desperdícios do dia. Trazem no corpo todo o tipo de parasitas e doenças. De tão feios que são, com pedaços de carne doente, muitas vezes sem pêlo, fazem lembrar monstros mutantes criados em laboratório. Rivalizam com os homens as sombras dos jardins. Raramente andam sozinhos. Empoleiram-se nos bidões onde se queima o lixo. Copulam nas ruas perante a indiferença de toda a gente. Lembro-me, a propósito das cópulas caninas, de um dia em que almocei em Margão. Guardei dentro de mim a frescura do sumo de melancia e as grainhas minúsculas do baji puri. À saída do restaurante, topei com dois turistas, muito porcos, de rastas no cabelo e pés imundos, sentados de pernas abertas, maravilhados com o pitoresco da Índia. Agoniei-me mal os vi. Quis esbofeteá-los com severidade e mandá-los de volta para perto do mar, onde há praias, hotéis baratos, feiras típicas e festas com ácidos e trance music. Ainda não estava refeita dos turistas americanos quando dei de caras com dois cães que copulavam na berma da estrada, junto das bancas de vendedoras de tabaco e supari. A cadela tinha o focinho esfacelado como se alguém a tivesse arrastado pelo alcatrão. Latia dolorosamente. Afligi-me. O sexo não é muito diferente entre os animais. O macho alivia o seu desejo. A fêmea aquiesce, umas vezes cala-se, outras grita.