Abriu uma tabacaria nova perto do banco onde trabalho. Tem uma boa oferta de publicações estrangeiras. Entretive-me, pela manhã, no escaparate das revistas francesas. A paris match, a magazine littéraire, os cahiers du cinéma, a fígaro, todas lá estão, apelando à minha alma francófila e levemente imbecil. Interessei-me pela lire que traz na capa uma fotografia do Boris Vian. Não o imaginava assim, delicado, frágil, com um ar núbil, quase pueril. Os escritores de antigamente têm destas coisas: surpreendem-nos. Apaixonamo-nos por eles por causa dos livros que escreveram e, depois, assim do nada, descobrimos que poderíamos amá-los por razões bem mais prosaicas. Aconteceu-me o mesmo com o Albert Camus. Descobri, há tempos, depois de lhe ler alguns livros, a fotografia que o Bresson lhe tirou. Desejei, de imediato, que saísse da tumba e me levasse para a Argélia, onde eu, de bom grado, passaria o tempo a preparar-lhe pratos de cuscuz e a cativá-lo com danças eróticas usando apenas um tarbuche. Lê-los, aos escritores de antigamente, é assim uma espécie de blind date (hei-de me vergastar, com fúria, por utilizar uma expressão inglesa). Quase sempre, não lhe conhecemos o rosto, a voz, as expressões, os interesses, as miudezas da vida privada, amores, filhos, loucuras domésticas. O mesmo não acontece com os escritores contemporâneos. A gente quer-lhes fugir e não consegue. Eles deixam-se fotografar, entrevistar, opinam sobre isto e sobre aquilo, escrevem em revistas, blogues, jornais, maçam-nos com opiniões e desabafos, integram júris variados, promovem encontros, aparecem em colóquios e seminários dissecando obras e personagens. Na verdade, os livros que escrevem parecem, muitas vezes, ser um mero acidente de percurso nas suas vidas literárias.