2009/04/17

Arranca Corações (2)

Os escritores de hoje não têm sentido do decoro. Não percebem que quem escreve deve mostrar-se com parcimónia. Esta exposição é sobretudo uma falta de respeito pelos leitores. Exijo, aos meus escritores, recato e clausura! Só assim poderei amá-los pelo que escrevem. De outra maneira, arriscam-se a ser apreciados pelo acessório. Eu explico com um exemplo concreto. O José Eduardo Agualusa esta semana deixou-se fotografar para a revista do expresso. As fotografias publicadas são a preto e branco, soturnas e envolventes. Fazem suspirar. Ora, eu não gosto particularmente dos livros que escreve. É uma embirração antiga que vem do tempo em que escreveu sobre a minha Índia. No entanto, acho-o um homem muito bonito, moreno, o cabelo rebelde, os olhos pequenos e escuros, a pronúncia do lado de lá (o que eu gosto daquela voz que tem no timbre os entardeceres mornos do sul). Compro sempre os livros do Agualusa. Leio-os, em parte, porque aprecio o invólucro do escritor. Acho, sinceramente acho, que não os leria se nunca lhe tivesse conhecido o rosto e se nunca lhe tivesse ouvido a voz. Se o Paul Auster fosse um gordalhufo, boçal e seboso, não teria a horda de fãs que tem por esse mundo fora. As trintonas tardias e as quarentonas adoram-no. Se em vez daquele olhar tresloucado, mas cativante, o Lobo Antunes fosse zarolho e belfo quem se interessaria por lhe ler a obra mais recente, indecifrável e neurótica? Tivesse o tal Paolo Giordano, o rapaz que escreveu o romance sobre os números primos, lábio leporino e orelhas de abano, em vez daquela beleza serena que suscita sentimentos concupiscentes, e nenhum editor o publicaria. Os tempos que vivemos são assim. Os escritores, como toda a gente, querem cativar-nos com todas as armas que possuem, as literárias e as outras.

(Estive quase tentada a comprar a lire, tal foi o matinal encanto que o arranca corações trouxe à minha sexta-feira. Só depois me lembrei que não sou capaz de ler duas linhas de francês.)