Dia de festa. Havia bacalhau com grão no refeitório. Pedi à D. Rosa, a goesa dos olhos tristes, o prato grande. Estranhou o pedido. O prato grande, filha? E tu vais comer tudo?, perguntou-me antes de começar a servir. Todos os dias, lhe peço o prato pequeno. Geralmente deixo metade. Ela lastima sempre o meu desperdício diário. Ralha. Que é pecado deitar comida fora, que estou doente porque não como em condições, que bem se vê que nunca passei necessidades na vida, que ela era incapaz de deitar, assim como eu faço, meia posta de pescada para o lixo. Amuei. Que se deixasse de coisas e me desse a posta do rabo que é a que mais gosto. Expliquei-lhe que bacalhau com grão é a minha comida portuguesa favorita. Ela serviu-me com vagar e perguntou pelo meu prato goês favorito. Hesitei entre o sarapatel e o balchão de cação. Esclareci que a minha mãe alentejana me sacia a gula oriental. Confecciona bem qualquer prato goês. Lembrei as chamuças gordas e as bojés de grão que compro nas ruas de Margão, pelo crepúsculo, embrulhados em papel de jornal, muito picantes e quentinhas. Ela sorriu e fez duas covinhas no rosto. Depois, contou que já pagou a passagem de avião para Moçambique. Um dinheirão. Vai no Natal. Sozinha. Volta, depois de tantos anos e de tanta solidão, para rever o pai que não quis vir para Portugal na altura da independência. Parece que está doente e lhe disse que não queria morrer sem voltar a ver a sua única filha. A sua Rosa. Que é como eu. Um triângulo equilátero. Temos ambas três lados. E são iguais. Um lado europeu, um lado africano, um lado asiático. Amanhã, imagina tu, vão servir caril de frutos do mar! disse, entregando-me o bacalhau com grão. E fez um esgar de nojo. Doidos, estes portugueses. E rimo-nos as duas.