2009/09/22

Estilete

Desconfio sempre dos entusiasmos bovinos em redor de certos autores. Como o recente e orgástico alarde à volta do escritor Roberto Bolaño. Está na boca de toda a gente. Fizeram-lhe até uma festa de lançamento com direito a leitura de excertos pela Soraia Chaves e shots de margueritas. Um horror. A literatura já não é o que era. A literatura, mesmo a que se quer decente, a tal do cânone, está na moda. E tudo o que está na moda perde o encanto. Torna-se ordinário. Quero os livros que leio para mim. É uma coisa um bocado parva e elitista mas que assumo. Não faço questão de os partilhar, aos meus livros, com ninguém. Muitos menos de os escalpelizar, analisar, comentar, comparar enquanto bebo martinis e estilhaço, com uma boca ultra shiny, um croquete de porco preto. Por exemplo, nunca encontrei ninguém que, como eu, tivesse lido o Em Nome da Terra. É, de todos os livros que li, o que mais gosto, o que mais me comove, o que amo em silêncio, com algum embaraço. Vivo na ilusão de que o Vergílio Ferreira o escreveu para mim. Gosto de acreditar que, apesar de muitos o terem lido, só eu me deixei envolver por aquela teia de palavras, só eu fui capaz de lhe ir ao âmago porque só eu sei o que é viver dentro de um corpo morto. Temo, juro que temo, o dia em que a Bárbara Guimarães, entrevistada por uma qualquer Ana Sousa Dias, faiscando os olhos impecavelmente maquilhados, ajeitando a gola do vestido José António Tenente, enuncie o Em Nome da Terra como o seu livro permanente de cabeceira. Nesse dia, eu sei, o destino será meu amigo e deixará ao meu alcance um estilete que hei-de enterrar no peito para por fim à humilhação suprema de ver o meu livro amado por quem desprezo com fúria e insensatez. Nunca mais lerei um livro na vida.