2009/10/27

Lady, Puffy e Susy

Todas as tardes, três velhas de Moscavide vão passear para o lado de lá. Atravessam o passadiço que atravessa a linha de comboio e, com passinhos moles, bruxuleantes, levam pela trela as cadelinhas rafeiras. Muito gordas e feias. De pernas curtas e pêlo ruço. Olhos vermelhos e tristes. As três velhas de Moscavide chamaram às suas cadelinhas Lady, Puffy e Susy. Não prescindiram do i grego quando baptizaram os bichos de estimação. Cadelinha que se preze tem de ter i grego no nome! Dá um certo sainete. As cadelinhas são como as donas. Pequenas, velhas e incontinentes. Deixam rios de mijo muito amarelo no passadiço que atravessa a linha de comboio. Os cagalhotos espalham-se orgulhosamente por toda a parte. Por vezes, escondem-se sob a sombra dos degraus. Mais cedo ou mais tarde, acabam por ser espezinhados por um transeunte incauto que logo solta um enorme palavrão. Ninguém se livra do fedor e da humilhação. Os passageiros que precisam de mudar de linha ou querem ir para o lado de lá, têm sempre de atravessar o passadiço. É vê-los aos saltinhos, em biquinhos dos pés, de mão no nariz, numa dança absurda, tentando evitar o rasto de imundície do passeio das três velhas de Moscavide. Um dia tudo mudará. Tenho esperança e a esperança, dizem os entendidos, é a última a morrer. Surgirá um justiceiro, levemente parecido com o keanu reeves, que não parece inteligente, mas é giro e sabe voar. Aparecerá o tal justiceiro e abrirá um buraco na treliça do passadiço e por ele, uma a uma, atirará as cadelinhas à linha. Puffy! Lady! Susy!, gritarão as pobres velhas em desespero, arrepanhando com as unhas lascadas de verniz comprado no chinês da avenida o cabelo pintado de amarelo. Será em vão. Acabar-se-ão os cagalhotos e os rios de mijo amarelo. Será um alívio. Os passareiros baterão palmas ao heróico gesto. Eu - que tenho um nariz grande e muito sensível e, todos os dias, tremo só de pensar em atravessar o passadiço - alçarei a perna e darei um beijinho repenicado na bochecha do garboso justiceiro.