O meu amigo anão
telefonou-me a semana passada de Buenos Aires. Contou-me as novidades. Tivera sucesso
na indústria pornográfica. A vida correu-lhe bem durante os primeiros tempos.
Mas, depois, teve assim uma espécie de esgotamento, passou a ter dificuldades
de hasteamento, custava-lhe muito a enrijecer o instrumento. Ainda lhe deram a
tomar uns comprimidos a ver se a coisa se compunha. Porém, no momento da verdade,
estava sempre de mangalho encolhido, uma serpente velha, sem serventia alguma.
O realizador decidiu tirar-lhe o protagonismo. Meteram-no num filme de furry
fandom, cheio de figuras híbridas; ele de figura secundária, usava uma
bandolete de crina, calções justinhos de cabedal e botins a fingir de cascos de
cavalo. A princípio, não se importou com a mudança: dava descanso ao seu
monumental instrumento, estava para ali, só tinha de ser passeado por uma
gorducha que usava um chicote com brandura; às vezes, relinchava. O pior é que
os botins com forma de casco apertavam-lhe muito os penantes. Eram tão apertados
que a determinada altura lhe pareceu que os pés encolhiam, passou a sentir
tonturas e, constantemente, uma sensação de desequilíbrio durante a marcha. À
noite, tinha pesadelos em que aparecia vestido de quimono, olhos rasgados de
chinesinha, os pés minguando, minguando, cada vez mais pequenos, pés de lírio entrapados
em sapatos de cetim vermelho. Percebeu que se continuasse a fazer de
cavalgadura miniatura, a usar os detestáveis botins, em breve, deixaria de
andar. Foi explicar ao realizador que não aguentava tamanhas dores, não estava
para ser pónei a vida toda, a bandoleta ainda vá que não vá, agora as botinhas
de casco nem pensar, ia-se embora. Julgou que o realizador reconsiderasse, lhe
arranjasse outro papel, afinal o seu primeiro filme El enanito e las siete monjas peludas fora um sucesso. Um anão, melhor
dizendo, um enanito como ele, tão bem apetrechado, não era nada fácil de
encontrar.
Para sua surpresa
o outro aceitou sem mais a sua demissão. As figuras híbridas já cansavam.
Homens touros, centauros, harpias. Estava tudo visto. Era um entusiasta da
cultura clássica, decidira fazer uma adaptação livre do asno de ouro e arriscava
usar um burro a sério. Já tinha em vista um burro abissínio, raça de robustez
provada, erecto, o burro abissínio era animal para ter um pénis com quase
cinquenta centímetros de comprimento e vinte de diâmetro. Engoli em seco, confessou
do outro lado da linha o meu amigo anão, bem vês, não é fácil ser-se
ultrapassado por um burro. E continuou: ainda me senti tentado a pedinchar que me
deixassem ficar, nem que fosse a tomar conta do asno, porém, depois lembrei-me de que um homem, mesmo sendo anão, tem o seu orgulho e por isso despedi-me. Estou
sem trabalho há mais de dois meses. Volto na próxima semana. Pedia-me, se não
fosse muito incómodo, para o ir buscar ao aeroporto. Pensei com os meus botões:
estás nas lonas, por isso regressas, vens-me pedir batatinhas depois de me
teres partido o coração, ah, meu bijouzinho malandro, a tua sorte é que eu sou
uma mulher apaixonada, incapaz de guardar rancor! Não te preocupes, lá estarei
para te ir buscar, disse-lhe e desliguei o telefone com o corpo cheio de
alegria.