Li, por estes dias, um livro do Coetzee. Lá para o meio do romance há uma violação brutal, primitiva, africana no pior sentido, a fazer lembrar o tal profeta Joseph Koni de que ontem falava o jornal. A violência da cena, é muita, também é dada pela reacção da vítima, uma jovem mulher, que, não sendo assumidamente lésbica, prescinde da companhia dos homens. Essa mulher aceita a sujeição ao sujeito soberano. É essa inicial passividade, motivada por razões ideológicas, que, mais do que a violência física, violenta o leitor. É bom escritor, o Coetzee, dos que mais gosto de ler. Mas, consumada a violação, quando, em meia dúzia de linhas, se debruça sobre, como lhes chama, os assuntos de sangue das mulheres - menstruação, parto e violação - escreve o seguinte: violar uma lésbica é pior do que violar uma virgem: é um golpe mais forte. Li, sublinhei, reli, tenho pensado muito no assunto e juro que ainda não percebi. Deve ser preciso ser homem, ter certo discernimento, para perceber.