2010/09/05

Ceuta

Cheguei com o propósito de engolir todos os comprimidos que a minha mãe guarda no armário dos medicamentos. Escrevi até a nota de despedida. Tão tola e desesperada. Começa assim, Ele disse outra vez que não sai de casa. Quando lhe peço para o fazer, ele deita-se no sofá, de comando na mão e diz não ter paciência para os meus devaneios. Sou a louca, a instável, a marginal, aquela que não é capaz de enterrar os seus sentimento em prol da felicidade conjugal, da harmonia familiar. Depois de escrever a nota, ri-me dela e deambulei pelo apartamento dos meus pais. Sou tão feliz aqui. Chorei ao olhar as fotografias dos meus filhos: João, Madalena, Joaquim. Depois, soluçando sempre muito, preparei o meu túmulo. Fechei os estores do quarto dos meus pais e pensei Quero morrer na cama deles, o lugar mais confortável do mundo, na cama de pau preto, que veio de Moçambique, num contentor.. . Fiquei no escuro, com a minha dose letal na mão, olhando o relógio electrónico e lembrado os comprimidos para impotência sexual, encontrados, era eu tão pequena, na gaveta da cómoda, mesmo por baixo da roupa interior do meu pai. Amo o meu pai como se fosse uma mendiga. Peço-lhe amor como se pede uma esmola. É um modo tão errado de amar alguém. Andei pelo apartamento, como num labirinto, apalpando paredes, cheirando tecidos, olhando as minhas fotografias de criança, tão bonita, morena, de sorriso transparente, a minha mãe, muito magra e esguia, amparando-me na Lagoa de Santo André. O futura à minha espera. Gosto do Alentejo e das minhas velhas de lenço na cabeça. Estive nisto, revisitando a minha vida, os meus fracassos, os meus amores, para dela me despedir, quando dei de caras, na vitrina iluminada da cozinha, com o serviço de café que a minha mãe comprou em Ceuta. Seis chávenas de loiça ordinária. Não têm selo, nem carimbo de fábrica. Mas são de um azul nocturno, muito intenso e fresco. São tão bonitas. Amo-as, mais do que a muitas pessoas, desde os meus treze anos. Imaginei até uma história – chama-se Quinta-Feira- sobre estes serviço de café. Decido ficar. Não pelos meus filhos, nem pelos meus pais, nem pela vida, tão linda e insuportável, mas pelo serviço de café que a minha mãe trouxe de Ceuta.