2011/04/20

Catinga

Três dias no sopé da serra. Os meninos brincaram com a neve. A menina espantou-se por ser gelada e branca. O menino deslizou, veloz, no seu trenó vermelho. Passaram horas na água tépida e sem vida da piscina. O pai conviveu com os colegas, gestores, directores, auditores, consultores. Ao jantar, conversaram, entre outras coisas, sobre técnicas de despedimento. Um homem de olhos pequeninos, sorriso boçal, afagando o seu black berry, gabou-se da sua perícia. "Não me custa nada ter de despedir alguém. Já estou habituado. Quando estive em Angola, despedi uma preta só porque ela cheirava mal". A mulher do homem de olhos pequeninos – vesga, cabelo impecavelmente arranjado –, afagando ela também o seu telefone, sorriu, orgulhosa da competência do marido. A mãe passou o fim-de-semana ausente, a roer as unhas que prometera deixar crescer, a fumar cigarros e a beber copos de vinho tinto, com vontade de adormecer e acordar noutro sítio qualquer.

(pretérito mais que imperfeito.)