2011/04/14

Reflexão Dominical

Foi então que resolveu aproveitar as noites de domingo para pensar. Não há assunto que a intimide. Espanta-se com os seus pensamentos, alguns de inesperada elevação, outros assim-assim, outros maçadores que lhe entram pela cabeça dentro sem pedir autorização. Em certa ocasião, não foi há muito tempo, deu consigo a pensar na dívida pública. O marido em cima dela, como uma lapa agarrada a uma rocha, ela a pensar na crise financeira e no FMI. Assustou-se. Quando está na cama com o marido, à espera que se despache, Odete gosta de reflectir sobre assuntos que tenham a ver com a ocasião. Pensa em sexo e em tudo o que possa estar relacionado com o tema. Por exemplo, no passado domingo, enquanto esperava o orgasmo do marido, debruçou-se sobre a seguinte questão: um transexual que se apaixona por uma pessoa do mesmo sexo é heterossexual ou é homossexual? Pensou, pensou, pensou muito e não chegou a conclusões satisfatórias.

A cama, é nisso que hoje pensa, mostra como as mulheres são seres mais evoluídos e inteligentes do que os homens. Parece a Odete que a arte do fingimento, essencial à sobrevivência das mulheres na cama, exige sofisticação. Foram precisos anos e anos de evolução da espécie humana para as mulheres chegarem ao patamar de fingimento em que estão hoje. Desconfia que as mulheres primitivas, as australopitecas e pitecampropas, cada vez que eram penetradas, grunhiam, urravam, arranhavam, arrancavam o pelame, desesperadas com tamanha dor e desilusão. Odete não tem dúvidas de que muitas, depois do coito, pegaram numa marreta e, com os músculos da vagina ainda a latejar, fizeram justiça pelas próprias mãos. À conta da pureza dessas primitivas mulheres, não sabiam fingir, não sabiam padecer em silêncio, deve ter havido muita mortandade nos tempos antigos. Foi preciso uma evolução grande para as mulheres aprenderem a fingir.

É assim que Odete pensa enquanto espera. O marido, entretanto, já lhe puxou as cuecas para baixo e já aproximou o volume duro do pénis. Odete continua. As mulheres foram, ao longo dos tempos, apurando o fingimento. Aprender a gemer, a impar, a revirar os olhos foi um marco decisivo na evolução. Ficam os homens mais excitados e o martírio acaba depressa. As mulheres, conclui Odete, aprenderam a fingir e essa aprendizagem, essa especialização, apurada e íntima do seu género, mostra que, para além de abnegadas, dão o que têm e o que não têm, são inteligentes. Afinal, remata, a cama mostra que as mulheres são mais sofisticadas e inteligentes do que os homens. É no preciso instante em que termina o seu raciocínio, talvez um pouco confuso, que o marido a penetra. Com violência, enterrando-se nela, no seu buraco escuro de paredes ásperas. Custa-lhe sempre esse momento. Odete não se habituou ainda a ter aquele pedaço de carne dentro de si. Reconhece então que de pouco vale às mulheres a inteligência e a sofisticação. O que interessa é a força física de um corpo capaz de amedrontar outro.