A Dina trabalha há muitos anos no minimercado que fica
nas traseiras do meu prédio. No início do ano lançou um romance e partilhou o
acontecimento com os clientes habituais. Caí na tentação de lhe confessar que
também andava a escrever um livro. Expliquei-lhe ainda que, se corresse tudo
bem, o livro sairia em Setembro. Desde então temos conversas muito
interessantes sobre o processo de criação literária. Acontece que, por cansaço,
também falta de talento, o meu livro não saiu em Setembro. A Dina, cada vez que
me apanha, insiste em querer saber quando é que será publicado. Respondo-lhe evasivamente,
às vezes, finjo-me distraída e não digo nada. Há coisa de quinze dias,
contou-me que escreveu um segundo romance. Sairá em Novembro. Dei-lhe os
parabéns, forçando um sorriso amarelo. Enquanto ensacava as compras, notei-lhe
um brilho de vaidade no olhar, como se me dissesse assim, toma lá, não
consegues acabar o teu livro e eu já despachei dois. Senti-me magoada. Não
mereço o despique e até lhe trouxe uma lembrança de Goa.
Ontem, numa grande livraria, procurei o livro da Dina.
Encontrei-o com facilidade na bancada dos livros coloridos. Tem uma capa cheia
de brilho e traz uma linda cinta a explicar que se trata de uma história de
amor, com um travo picante de erotismo. Li páginas soltas e não tardei a
pensar, muito aliviada, que merda, que grande merda, o que demonstra bem a minha
mesquinhez e não desmerece a escrita da Dina. Li as primeiras cinquenta páginas
do último livro do Coetzee, obra aclamada pela crítica – desconcertante,
assombroso, alegoria não sei do quê -, e pensei exactamente o mesmo, que merda,
que grande merda. Não voltei a entrar no minimercado. Não sou capaz de
enfrentar a alegria da Dina e humilha-me ser confrontada com o meu fracasso. A
decisão, porém, causa-me transtorno. Agora, se preciso de salsa, fiambre, pão,
massa para a canja, tenho de caminhar durante dez minutos até ao grande
supermercado que fica na outra ponta do bairro. Não sou propriamente rancorosa,
mas penso muitas vezes que era bom que a Dina fosse despedida.
Poderia dedicar-se a tempo inteiro à escrita, apurar o estilo, quem sabe até
ganhar um prémio literário. Eu ganhava o minimercado de volta.