Fumando charuto e retorcendo o bigode, o senhor doutor faz finalmente o meu diagnóstico. Tenho uma depressão reactiva. Aparentemente, não é tão grave como eu pensava. Tem um ar queirozeano, o senhor doutor. Há nele uma certa afectação, uma certa sofisticação, que faz lembrar o Carlos da Maia. Gosto dele. E, no entanto, só diz as banalidades que conheço de trás para a frente. Falamos de sexo. É-me fácil falar de sexo. Seja com quem for. Mantém a mesma medicação. Despede-se com um abraço e um beijinho. Saio para a rua. É tarde. São quase onze horas. Desço a avenida a pensar nas palavras que disse. Depressão reactiva. Explosão. Implosão. Agressividade. Figura masculina. Identificação. Cruzo-me com turistas, ingleses, alemães, mal vestidos, envergando uns trapos imundos, inadequados para o passeio nocturno nesta avenida de lojas sofisticadas, caras. Quando chego perto do antigo cinema condes já vou lavada em lágrimas. Sabe bem chorar. Há que tempos que não chorava. Um grupo de adolescentes estrangeiros fala alto. Há uma miscelânea de traços. Negros, asiáticos, europeus. Devem ser americanos. Têm a segurança própria dos americanos. Continuo a descer até ao teatro. Um homem negro fala ao telefone, encostado a uma das colunas que dá para o Rossio. Dá gargalhadas sonoras que ficam a ecoar nas arcadas como bichos nocturnos. O teatro, as suas arcadas, voltaram a ser o poiso dos imigrantes que tomaram conta desta parte da cidade. Recordo as imagens recentes daqueles que vieram dar às praias de Espanha, quase mortos. Etiópia, Somália, Marrocos. Há tantos escravos no mundo.