Tudo calado. Um silêncio tumular toma conta da cozinha de azulejos feios. É hora do noticiário e o meu pai é, sempre foi, intransigente em tal assunto. As horas das refeições não servem para a família confraternizar, falar, trocar ideias, e esses disparates que os psicólogos e os terapeutas aconselham. A hora da refeição serve para o mundo, tal como ele é, entrar nas nossas vidas. Sempre foi assim. O meu pai alimenta-se de noticiários, debates e documentários vários. Ai de quem ouse falar quando ele está a aprender, pela centésima, o ciclo da ovulação dos crocodilos do Nilo. Bebe avidamente as notícias e sempre exigiu que fizéssemos exactamente o mesmo. Estamos, pois, em silêncio. Eu, arregalando os olhos à Madalena para que coma quietinha. Ela brinca com a colher, entretida com a canja de galinha que a tia Dé fez. Vou comer um ovinho pequenino e depois vai-me nascer um pintainho na barriga!. E cacareja. Um olhar rápido do meu pai avisa que quer silêncio. Não admite cacarejos à mesa. Nem mesmo à sua neta preferida. Peço à Madalena que coma em silêncio.